Neste nosso sexagésimo nono comentário sobre Os Lusíadas, terminaremos de ler o oitavo canto da obra, onde Camões canta que o ministro Catual prende o capitão Vasco da Gama em Calecut, não o deixando voltar para as naus portuguesas.

OS LUSÍADAS O CAPITÃO VASCO DA GAMA FICA PRESO EM CALECUT
O capitão Vasco da Gama fica preso em Calecut

CANTO VIII – ESTROFE 78

“O capitão Vasco da Gama conclui as negociações com rei Samorim e, em seguida, pede para que o ministro Catual o leve para as naus portuguesas”

 

Que mande que a fazenda enfim lhe manda

Que nos reinos gangéticos faleça,

Se algum traz idônea, lá da banda

Donde a terra se acaba e o mar começa.

Já da real presença veneranda

Se parte o capitão pera onde peça

Ao catual, que dele tinha cargo,

Embarcação, que a sua está de largo.

 

Que mande que a fazenda enfim lhe manda que nos reinos gangéticos faleça, se algum traz idônea, lá da banda donde a terra se acaba e o mar começa. Já da real presença veneranda se parte o capitão pera onde peça ao catual, que dele tinha cargo, embarcação, que a sua está de largo. (1)

(1) O rei Samorim recomenda que venha a trazer alguma especiaria que não exista nas terras da Índia, sendo esta mercadoria mandada pelos portugueses seja realmente do Ocidente. O capitão Vasco da Gama deixa a presença do monarca indiano e pede ao ministro Catual uma canoa para que ele possa retornar às naus portuguesas. Camões canta que o capitão Vasco da Gama termina o encontro com o rei Samorim e deixa o seu palácio.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O rei Samorim recomenda que venha a trazer alguma especiaria que não exista nas terras da Índia, sendo esta mercadoria mandada pelos portugueses seja realmente do Ocidente. O capitão Vasco da Gama deixa a presença do monarca indiano e pede ao ministro Catual uma canoa para que ele possa retornar às naus portuguesas.

CANTO VIII – ESTROFE 79

“O ministro Catual, que ainda não desistiu de destruir os portugueses, planeja uma nova armadilha”

 

Embarcação que o leve às naus lhe pede;

Mas o mau regedor, que novos laços

Lhe maquinava, nada lhe concede,

Interpondo tardanças e embaraços.

C’o ele parte ao cais, por que o arrede

Longe quanto puder dos régios paços,

Onde, sem que seu rei tenha notícia,

Faça o que lhe ensinar sua malícia.

 

Embarcação que o leve às naus lhe pede; mas o mau regedor, que novos laços lhe maquinava, nada lhe concede, interpondo tardanças e embaraços. C’o ele parte ao cais, por que o arrede Longe quanto puder dos régios paços, onde, sem que seu rei tenha notícia, faça o que lhe ensinar sua malícia. (1)

(1) O capitão Vasco da Gama pede ao ministro Catual uma canoa para retornar até às naus portuguesas, mas o mau regedor, que maquinava novas tramas, não lhe atende o pedido, inventando problemas e demoras. Leva o português para o cais, o distanciando do rei Samorim, para que assim possa pôr em prática seus planos perversos. Camões canta que o ministro Catual, que não desistiu de seus planos, pretende levar o capitão Vasco da Gama para uma armadilha.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O capitão Vasco da Gama pede ao ministro Catual uma canoa para retornar até às naus portuguesas, mas o mau regedor, que maquinava novas tramas, não lhe atende o pedido, inventando problemas e demoras. Leva o português para o cais, o distanciando do rei Samorim, para que assim possa pôr em prática seus planos perversos.

CANTO VIII – ESTROFE 80

“Preparando um ataque, o ministro Catual não deixa o capitão Vasco da Gama retornar para as naus portuguesas”

 

Lá bem longe, lhe diz que lhe daria

Embarcação bastante em que partisse,

Ou que pera a luz crástina do dia

Futuro, sua partida diferisse.

Já com tantas tardanças entendia

O Gama que o gentio consentisse

Na má tenção dos Mouros, torpe e fera,

O que dele até ’li não entendera.

 

Lá bem longe, lhe diz que lhe daria embarcação bastante em que partisse, ou que pera a luz crástina do dia futuro, sua partida diferisse. Já com tantas tardanças entendia o Gama que o gentio consentisse na má tenção dos Mouros, torpe e fera, o que dele até ’li não entendera. (1)

(1) Longe do palácio do rei Samorim, Catual diz ao capitão Vasco da Gama que lhe daria uma embarcação para leva-lo, ou que adiasse a sua partida para a manhã seguinte. Já com essas demoras, o capitão Vasco da Gama finalmente percebe as más intenções dos torpes e ferozes mouros. Camões canta que o capitão Vasco da Gama percebe que o ministro Catual tenta impedir que ele deixe Calecut e retorne para as naus portuguesas.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Longe do palácio do rei Samorim, Catual diz ao capitão Vasco da Gama que lhe daria uma embarcação para leva-lo, ou que adiasse a sua partida para a manhã seguinte. Já com essas demoras, o capitão Vasco da Gama finalmente percebe as más intenções dos torpes e ferozes mouros.

CANTO VIII – ESTROFE 81

“O ministro Catual foi subornado pelos sacerdotes muçulmanos para matar os portugueses”

 

Era este Catual um dos que estavam

Corruptos pela maometana gente,

O principal, por quem se governam

As cidades de Samorim potente.

Dele somente os Mouros esperavam

Efeito a seus enganos torpemente.

Ele, que no concerto vil conspira,

De suas esperanças não delira.

 

Era este Catual um dos que estavam corruptos pela maometana gente, o principal, por quem se governam as cidades de Samorim potente. Dele somente os Mouros esperavam efeito a seus enganos torpemente. Ele, que no concerto vil conspira, de suas esperanças não delira. (1)

(1) Catual era um dos principais conselheiros do rei Samorim, sendo que ele foi subornado pelos sacerdotes mouros. Os sacerdotes esperam que ele coloque em prática os seus torpes planos contra os portugueses. Ele, que ainda não desistiu, ainda maquina conspirações. Camões canta que o ministro Samorim, tendo sido subornado pelos sacerdotes mouros, ainda não desistiu de destruir os portugueses.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Catual era um dos principais conselheiros do rei Samorim, sendo que ele foi subornado pelos sacerdotes mouros. Os sacerdotes esperam que ele coloque em prática os seus torpes planos contra os portugueses. Ele, que ainda não desistiu, ainda maquina conspirações.

CANTO VIII – ESTROFE 82

“O capitão Vasco da Gama pede mais uma vez para que o ministro Catual o leve para as suas embarcações”

 

O Gama com instância lhe requere

Que o mande pôr nas naus, e não lhe val;

E que assi lho mandara, lhe refere,

O nobre sucessor de Perimal.

“Por que razão lhe impede e lhe difere

A fazenda trazer de Portugal?

Pois aquilo que os reis já têm mandado

Não pode ser por outrem derrogado.”

 

O Gama com instância lhe requere que o mande pôr nas naus, e não lhe val; e que assi lho mandara, lhe refere, o nobre sucessor de Perimal. “Por que razão lhe impede e lhe difere a fazenda trazer de Portugal? Pois aquilo que os reis já têm mandado não pode ser por outrem derrogado.” (1)

(1) O capitão Vasco da Gama pede, mais uma vez, que o mande para as suas naus, mas Catual não o atende, dizendo que essas são as ordens do rei de Samorim. Pergunta o capitão português: “Por que motivo você me impede de voltar para Portugal e trazer as mercadorias da minha terra para cá? Se o rei já deu estas ordens, elas devem ser obedecidas.” Camões canta que o capitão Vasco da Gama questiona o motivo do ministro Catual não deixar ele retornar para as naus portuguesas.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O capitão Vasco da Gama pede, mais uma vez, que o mande para as suas naus, mas Catual não o atende, dizendo que essas são as ordens do rei de Samorim. Pergunta o capitão português: “Por que motivo você me impede de voltar para Portugal e trazer as mercadorias da minha terra para cá? Se o rei já deu estas ordens, elas devem ser obedecidas.”

CANTO VIII – ESTROFE 83

“Apesar do novo pedido, o ministro Catual não concede o desejo do capitão Vasco da Gama”

 

Pouco obedece o Catual corrupto

A tais palavras; antes, resolvendo

Na fantasia algum sutil e astuto

Engano diabólico e estupendo,

Ou como banhar possa o ferro bruto

No sangue aborrecido, estava vendo,

Ou como as naus em fogo lhe abrasasse,

Por que nenhuma à pátria mais tornasse. 

 

Pouco obedece o Catual corrupto a tais palavras; antes, resolvendo na fantasia algum sutil e astuto engano diabólico e estupendo, ou como banhar possa o ferro bruto no sangue aborrecido, estava vendo, ou como as naus em fogo lhe abrasasse, por que nenhuma à pátria mais tornasse. (1)

(1) O ministro Catual, por ter sido subornado pelos sacerdotes mouros, pouco obedece às ordens do rei Samorim; ao contrário: fica elaborando planos sutis e diabólicos contra os portugueses em sua imaginação, onde busca a melhor forma de mata-los e, se possível, atear fogo em suas naus, para que assim eles nunca retornem para Portugal. Camões canta que o ministro Catual elabora uma forma de destruir os portugueses e assim atender os desejos dos sacerdotes mouros que o subornaram.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O ministro Catual, por ter sido subornado pelos sacerdotes mouros, pouco obedece às ordens do rei Samorim; ao contrário: fica elaborando planos sutis e diabólicos contra os portugueses em sua imaginação, onde busca a melhor forma de mata-los e, se possível, atear fogo em suas naus, para que assim eles nunca retornem para Portugal.

CANTO VIII – ESTROFE 84

“Sem canos e sem a permissão do ministro Catual, o capitão Vasco da Gama fica preso em Calecut”

 

Que nenhum torne à pátria só pretende

O conselho infernal dos Maometanos;

Por que não sabia nunca onde se estende

A terra Eoa, o rei dos Lusitanos.

Não parte o Gama enfim, que lho defende

O regedor dos bárbaros profanos;

Nem sem licença sua ir-se podia,

Que as almadias todas lhe tolhia.

 

Que nenhum torne à pátria só pretende o conselho infernal dos Maometanos; por que não sabia nunca onde se estende a terra Eoa, o rei dos Lusitanos. Não parte o Gama enfim, que lho defende o regedor dos bárbaros profanos; nem sem licença sua ir-se podia, que as almadias todas lhe tolhia. (1)

(1) O infernal conselho dos sacerdotes muçulmanos deseja que nenhum dos portugueses retorne vivo para Portugal pois, desta forma, o rei português nunca saberá até onde se estende as terras orientais que sopra Eoa, o vento Leste. Como está impedido pelo conselheiro indiano, o capitão Vasco da Gama não consegue voltar para as naus portuguesas, pois foi-lhe tomado todas as canoas. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, por causa dos esforços do ministro Catual, não consegue deixar Calecut e retornar pra as naus portuguesas.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O infernal conselho dos sacerdotes muçulmanos deseja que nenhum dos portugueses retorne vivo para Portugal pois, desta forma, o rei português nunca saberá até onde se estende as terras orientais que sopra Eoa, o vento Leste. Como está impedido pelo conselheiro indiano, o capitão Vasco da Gama não consegue voltar para as naus portuguesas, pois foi-lhe tomado todas as canoas.

CANTO VIII – ESTROFE 85

“Em resposta aos questionamentos do capitão Vasco da Gama, o ministro Samorim diz que, se os portugueses não são inimigos, por qual motivo não atracam em Calecut”

 

Aos brados e razões do Capitão,

Responde o Idolatra, que mandasse

Chegar à terra as naus, que longe estão,

Por que melhor dali fosse e tornasse.

“Sinal é de inimigo e de ladrão,

Que lá de longe a frota se alargasse,

Lhe diz, porque do certo e fido amigo

É não temer do seu nenhum perigo.”

 

Aos brados e razões do Capitão, responde o Idolatra, que mandasse chegar à terra as naus, que longe estão, por que melhor dali fosse e tornasse. “Sinal é de inimigo e de ladrão, que lá de longe a frota se alargasse, lhe diz, porque do certo e fido amigo é não temer do seu nenhum perigo.” (1)

(1) O ministro Catual responde aos questionamentos e insinuações do capitão Vasco da Gama dizendo que, se ele quer retornar para as suas embarcações, que mande as distantes naus virem até à terra. Complementa dizendo: “Ao deixar as embarcações tão longe da terra só mostra que vocês são ladrões e inimigos, pois, se fosse realmente amigos, não estariam temendo perigo algum. Camões canta que o ministro Catual, ao responder os questionamentos do capitão Vasco da Gama, acusa ele e seus marinheiros de serem inimigos e ladrões.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O ministro Catual responde aos questionamentos e insinuações do capitão Vasco da Gama dizendo que, se ele quer retornar para as suas embarcações, que mande as distantes naus virem até à terra. Complementa dizendo: “Ao deixar as embarcações tão longe da terra só mostra que vocês são ladrões e inimigos, pois, se fosse realmente amigos, não estariam temendo perigo algum.

CANTO VIII – ESTROFE 86

“O capitão Vasco da Gama percebe as intenções malignas do ministro Catual”

 

Nestas palavras, o discreto Gama

Enxerga bem que as naus deseja perto

O Catual, por que com ferro e flama

Lhas assalte, por ódio descoberto.

Em vários pensamentos se derrama;

Fantasiando está remédio certo

Que desse a quanto mal lhe ordenava:

Tudo temia, tudo enfim cuidava.

 

Nestas palavras, o discreto Gama enxerga bem que as naus deseja perto o Catual, por que com ferro e flama lhas assalte, por ódio descoberto; em vários pensamentos se derrama; fantasiando está remédio certo que desse a quanto mal lhe ordenava: tudo temia, tudo enfim cuidava. (1)

(1) Ao ouvir estas palavras, o capitão Vasco da Gama percebe que o ministro Catual, ao querer as naus mais perto da cidade, só pode estar pensando em ataca-las com ferro e fogo. O português se deixa levar pelos pensamentos, fantasiando o remédio correto que liquidaria este mal; pensava e temia por tudo o que poderia acontecer. Camões canta que o capitão Vasco da Gama percebe as intenções malignas do ministro Catual contra ele e a frota portuguesa.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Ao ouvir estas palavras, o capitão Vasco da Gama percebe que o ministro Catual, ao querer as naus mais perto da cidade, só pode estar pensando em ataca-las com ferro e fogo. O português se deixa levar pelos pensamentos, fantasiando o remédio correto que liquidaria este mal; pensava e temia por tudo o que poderia acontecer.

CANTO VIII – ESTROFE 87

“Os pensamentos do capitão Vasco da Gama ficam agitados com a situação”

 

Qual o reflexo lume do polido

Espelho de aço, ou de cristal fermoso

Que, do raio solar sendo ferido,

Vai ferir noutra parte luminoso;

E, sendo da ociosa mão movido,

Pela casa, do moço curioso,

Anda pelas paredes e telhado,

Trêmulo, aqui e ali, e dessossegado:

 

Qual o reflexo lume do polido espelho de aço, ou de cristal fermoso que, do raio solar sendo ferido, vai ferir noutra parte luminoso; e, sendo da ociosa mão movido, pela casa, do moço curioso, anda pelas paredes e telhado, trêmulo, aqui e ali, e dessossegado: (1)

(1) Assim como o brilho de um espelho de polido, seja de aço ou de um formoso cristal, que, ao ser atingido pelos  raios do Sol, reflete a sua luz noutra parte; e, sendo o espelho movido pela mão ansiosa de uma criança curiosa, o reflexo da luz vai sendo movido pela casa, andando pelas paredes e pelos telhados, aqui e ali. Camões canta uma comparação entre os pensamentos agitados do capitão Vasco da Gama com o reflexo do sol num espelho na mão de uma criança [continua na próxima estrofe].

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Assim como o brilho de um espelho de polido, seja de aço ou de um formoso cristal, que, ao ser atingido pelos  raios do Sol, reflete a sua luz noutra parte; e, sendo o espelho movido pela mão ansiosa de uma criança curiosa, o reflexo da luz vai sendo movido pela casa, andando pelas paredes e pelos telhados, aqui e ali.

CANTO VIII – ESTROFE 88

“O capitão Vasco da Gama pensava nas coisas que poderiam acontecer com ele e com a sua frota”

 

Tal vago juízo flutuava

Do Gama preso, quando lhe lembrara

Coelho, se por caso o esperava

Na praia c’os batéis, como ordenara.

Logo secretamente lhe mandava,

Que se tornasse à frota que deixara,

Não fosse salteado dos enganos

Que esperava dos feros Maometanos.

 

Tal vago juízo flutuava do Gama preso, quando lhe lembrara Coelho, se por caso o esperava na praia c’os batéis, como ordenara. Logo secretamente lhe mandava, que se tornasse à frota que deixara, não fosse salteado dos enganos que esperava dos feros Maometanos. (1)

(1) Assim como o reflexo do sol num espelho que, estando na mão de uma criança, anda de um lado para o outro, os pensamentos do capitão Vasco da Gama ficam vagando, já que ele está preso na terra, e também por que mandou Nicolau Coelho ficar na praia de Calecut o esperando com as canoas. O capitão português secretamente o mandou voltar para as naus a fim de evitar algum possível ataque os ferozes muçulmanos. Camões canta que os pensamentos do Capitão Vasco da Gama estão inquietos, estando ele ansioso por causa da situação que se encontra em Calecut.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Assim como o reflexo do sol num espelho que, estando na mão de uma criança, anda de um lado para o outro, os pensamentos do capitão Vasco da Gama ficam vagando, já que ele está preso na terra, e também por que mandou Nicolau Coelho ficar na praia de Calecut o esperando com as canoas.

CANTO VIII – ESTROFE 89

“Camões diz que inquietude é característica dos grandes comandantes, pois eles precisam sempre pensar nas possibilidades que podem acontecer”

 

Tal há-de ser quem quer que c’o dom de Marte

Imitar os ilustres e igualá-los:

Voar c’o pensamento a toda parte,

Adivinhar perigos e evitá-los,

Com militar enganoso e sutil arte

Entender os imigos e enganá-los,

Crer tudo enfim, que nunca louvarei

O capitão que diga: “não cuidei”.

 

Tal há-de ser quem quer que c’o dom de Marte imitar os ilustres e igualá-los: voar c’o pensamento a toda parte, adivinhar perigos e evitá-los, com militar enganoso e sutil arte entender os imigos e enganá-los, crer tudo enfim, que nunca louvarei o capitão que diga: “não cuidei”. (1)

(1) Desta forma acabara aqueles que querem imitar e se igualar aos ilustres comandantes militares: ficar pensando em todas as possibilidade a todo o mundo, para que assim possa adivinhar e evitar possíveis perigos; também conseguira entender seus inimigos e enganá-los com sua estratégia e perspicácia; conseguirá, enfim, pensar em tudo o que pode acontecer. Nunca louvarei um comandante que diga: “não cuidei”. Camões canta que a preocupação e inquietude do capitão Vasco da Gama é esperada de se ver em qualquer comandante militar, já que estes devem estar preparados para qualquer tipo de situação.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Desta forma acabara aqueles que querem imitar e se igualar aos ilustres comandantes militares: ficar pensando em todas as possibilidade a todo o mundo, para que assim possa adivinhar e evitar possíveis perigos; também conseguira entender seus inimigos e enganá-los com sua estratégia e perspicácia; conseguirá, enfim, pensar em tudo o que pode acontecer. Nunca louvarei um comandante que diga: “não cuidei”.

CANTO VIII – ESTROFE 90

“O capitão Vasco da Gama prefere ser morto tem terra do que arriscar a segurança da frota portuguesa”

 

Insiste o Malabar em tê-lo preso,

Se não manda chegar à terra a armada;

Ele constante, e de ira nobre aceso,

Os ameaços seus não teme nada,

Que antes quer sobre si tomar o peso

De quanto mal a vil malícia ousada

Lhe andar armando, que pôr em ventura

A frota de seu rei, que tem segura.

 

Insiste o Malabar em tê-lo preso, se não manda chegar à terra a armada; ele constante, e de ira nobre aceso, os ameaços seus não teme nada, que antes quer sobre si tomar o peso de quanto mal a vil malícia ousada lhe andar armando, que pôr em ventura a frota de seu rei, que tem segura. (1)

(1) O ministro Catual insiste que, se não mandar a frota portuguesa atracar em terra, ele continuará em Calecut. Firme em seu propósito, o capitão português não teme as ameaças do indiano, preferindo que ele seja atacado e morto pelo inimigo do que pôr em risco a frota portuguesa que, até em tão, está segura. Camões canta que, apesar da insistência do ministro Catual, o capitão Vasco da Gama não atraca com as naus em Calecut.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O ministro Catual insiste que, se não mandar a frota portuguesa atracar em terra, ele continuará em Calecut. Firme em seu propósito, o capitão português não teme as ameaças do indiano, preferindo que ele seja atacado e morto pelo inimigo do que pôr em risco a frota portuguesa que, até em tão, está segura.

CANTO VIII – ESTROFE 91

“O capitão Vasco da Gama fica mais uma noite preso em Calecut”

 

Aquela noite esteve ali detido,

E parte do outro dia, quando ordena

De se tornar ao rei; mas impedido

Foi de guarda, que tinha não pequena.

Comete-lhe o gentio outro partido,

Temendo de seu rei castigo ou pena,

Se sabe esta malícia, a qual asinha

Saberá, se mais tempo ali o detinha.

 

Aquela noite esteve ali detido, e parte do outro dia, quando ordena de se tornar ao rei; mas impedido foi de guarda, que tinha não pequena. Comete-lhe o gentio outro partido, temendo de seu rei castigo ou pena, se sabe esta malícia, a qual asinha saberá, se mais tempo ali o detinha. (1)

(1) O capitão Vasco da Gama ficou detido em Calecut naquela noite e em parte do dia seguinte; quando tentou retornar ao palácio para falar com o rei Samorim, foi impedido um grande guarda que o vigiava. O ministro Catual, que já temia a possibilidade de ser descoberto pelo rei e então sofrer algum castigo, o que poderia acontecer se mais assim ficasse, faz outra proposta ao capitão Vasco da Gama. Camões canta que o capitão Vasco da Gama fica a noite e o outro dia preso em terra, não podendo retornar para as naus portuguesas.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O capitão Vasco da Gama ficou detido em Calecut naquela noite e em parte do dia seguinte; quando tentou retornar ao palácio para falar com o rei Samorim, foi impedido um grande guarda que o vigiava. O ministro Catual, que já temia a possibilidade de ser descoberto pelo rei e então sofrer algum castigo, o que poderia acontecer se mais assim ficasse, faz outra proposta ao capitão Vasco da Gama.

CANTO VIII – ESTROFE 92

“O ministro Catual diz que o capitão Vasco da Gama será libertado se entregar todas as mercadorias que recebeu”

 

Diz-lhe que mande vir toda a fazenda

Vendíbil, que trazia, pera a terra,

Pera que devagar se troque e venda;

Que quem não quer comércio, busca guerra.

Posto que os maus propósitos entenda

O Gama, que o danado peito encerra,

Consente, porque sabe por verdade

Que compra c’o fazenda a liberdade.

 

Diz-lhe que mande vir toda a fazenda vendíbil, que trazia, pera a terra, pera que devagar se troque e venda; que quem não quer comércio, busca guerra. Posto que os maus propósitos entenda o Gama, que o danado peito encerra, consente, porque sabe por verdade que compra c’o fazenda a liberdade. (1)

(1) O ministro Catual propõe ao capitão Vasco da Gama que ele mande de volta para a terra todas as mercadorias negociáveis que recebeu, pois o indiano acreditava que o português lutaria para manter os bens. O capitão Vasco da Gama, percebendo as más intenções de Catual, aceita a proposta, pois percebia que era mais vantajoso trocar as mercadorias pela sua liberdade.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O ministro Catual propõe ao capitão Vasco da Gama que ele mande de volta para a terra todas as mercadorias negociáveis que recebeu, pois o indiano acreditava que o português lutaria para manter os bens.

CANTO VIII – ESTROFE 93

“O capitão Vasco da Gama aceita a proposta de troca do ministro Catual”

 

Concertam-se que o Negro mande dar

Embarcações idôneas com que venha;

Que os seus batéis não quer aventurar

Onde lhos tome o imigo, ou lhos detenha.

Partem as almadias a buscar

Mercadoria hispana que convenha;

Escreva o seu irmão que lhe mandasse

A fazenda com que se resgatasse.

 

Concertam-se que o Negro mande dar embarcações idôneas com que venha; que os seus batéis não quer aventurar onde lhos tome o imigo, ou lhos detenha. Partem as almadias a buscar mercadoria hispana que convenha; escreva o seu irmão que lhe mandasse a fazenda com que se resgatasse. (1)

(1) Firmando o acordo, o ministro Catual manda que embarcações idôneas tragam as mercadorias, já que o capitão Vasco da Gama não quer lança os bateis de suas naus em terra para que o inimigo os tome ou os destrua. Partem para buscar as mercadorias, com o capitão Vasco da Gama escrevendo ao seu irmão, Paulo da Gama, para que mandasse as mercadorias em, troca do seu resgate. Camões canta que o capitão Vasco da Gama aceita a proposta do ministro Catual, trocando as mercadorias por sua liberdade.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Firmando o acordo, o ministro Catual manda que embarcações idôneas tragam as mercadorias, já que o capitão Vasco da Gama não quer lança os bateis de suas naus em terra para que o inimigo os tome ou os destrua. Partem para buscar as mercadorias, com o capitão Vasco da Gama escrevendo ao seu irmão, Paulo da Gama, para que mandasse as mercadorias em, troca do seu resgate.

CANTO VIII – ESTROFE 94

“Dois portugueses vão em terra para vender as mercadorias em Calecut e entregar ao ministro Catual”

 

Vem a fazenda a terra, aonde logo

A agasalhou o infame Catual.

Co’ela ficam Álvaro e Diogo,

Que a puseram a vender pelo que val.

Se mais que obrigação, que mando e rogo,

No peito vil o prêmio pode e val,

Bem o mostra o gentio a quem o entenda,

Pois o Gama saltou pela fazenda.

 

Vem a fazenda a terra, aonde logo a agasalhou o infame Catual. Co’ela ficam Álvaro e Diogo, que a puseram a vender pelo que val. Se mais que obrigação, que mando e rogo, no peito vil o prêmio pode e val, bem o mostra o gentio a quem o entenda, pois o Gama saltou pela fazenda. (1)

(1) As mercadorias chegam em terra, onde o ministro Catual logo as armazenou. Ficaram incumbidos de vende-la os portugueses Álvaro e Diogo. Para os corrompidos, ouro e bens valisos valem mais do que o dever, como bem mostrou o ministro Catual ao trocar o capitão Vasco da Gama pelas mercadorias. Camões canta que, quando as mercadorias chegaram em terra, os portugueses foram logo venda-las, para que assim comprassem a liberdade do capitão Vasco da Gama.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

As mercadorias chegam em terra, onde o ministro Catual logo as armazenou. Ficaram incumbidos de vende-la os portugueses Álvaro e Diogo. Para os corrompidos, ouro e bens valisos valem mais do que o dever, como bem mostrou o ministro Catual ao trocar o capitão Vasco da Gama pelas mercadorias.

CANTO VIII – ESTROFE 95

“O ministro Catual solta o capitão Vasco da Gama, acreditando que ele lutara pelas mercadorias”

 

Por ela o solta, crendo que ali tinha

Penhor bastante, donde recebesse

Interesse maior do que lhe vinha

Se o capitão mais tempo detivesse.

Ele, vendo que já lhe não convinha

Tornar à terra, por que não pudesse

Ser mais retido, sendo às naus chegado,

Nelas estar se deixa descansado.

 

Por ela o solta, crendo que ali tinha penhor bastante, donde recebesse interesse maior do que lhe vinha se o capitão mais tempo detivesse. Ele, vendo que já lhe não convinha tornar à terra, por que não pudesse ser mais retido, sendo às naus chegado, nelas estar se deixa descansado. (1)

(1) Em troca das mercadorias, o ministro Catual solta o capitão Vasco da Gama, já que a ganharia mais dessa forma do que se continuasse detendo o capitão por mais. O capitão Vasco da Gama, como não tinha mais nenhum outro assunto em terra, e também por que poderia ser preso novamente se lá voltasse, fica nas naus portuguesas descansando. Camões canta que o ministro Catual fica com as mercadorias e liberta o capitão Vasco da Gama, deixando-o voltar para as naus portuguesas.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

Em troca das mercadorias, o ministro Catual solta o capitão Vasco da Gama, já que a ganharia mais dessa forma do que se continuasse detendo o capitão por mais. O capitão Vasco da Gama, como não tinha mais nenhum outro assunto em terra, e também por que poderia ser preso novamente se lá voltasse, fica nas naus portuguesas descansando.

CANTO VIII – ESTROFE 96

“O capitão Vasco da Gama aguarda nas naus portuguesas; Camões comenta os males da cobiça pelas riquezas”

 

Nas naus se deixa estar vagaroso,

Até ver o que o tempo lhe descobre;

Que não se fia já do cobiçoso

Regedor corrompido e pouco nobre.

Veja agora o juízo curioso

Quanto no rico, assi como no pobre,

Pode o vil interesse e sede imiga

Do dinheiro, que a tudo nos obriga!

 

Nas naus se deixa estar vagaroso, até ver o que o tempo lhe descobre; que não se fia já do cobiçoso regedor corrompido e pouco nobre. Veja agora o juízo curioso quanto no rico, assi como no pobre, pode o vil interesse e sede imiga do dinheiro, que a tudo nos obriga! (1)

(1) O capitão Vasco da Gama não parte com as naus, esperando para ver o que pode acontecer agora que não está mais preso nas mãos do corrompido e pouco nobre Catual. Veja agora o juízo curioso do homem rico, assim como do homem pobre, quando a cobiça pelo dinheiro os instiga! Camões canta que o capitão Vasco da Gama ainda não parte com suas naus; Camões começa a comentar casos históricos de homens cobiçosos.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O capitão Vasco da Gama não parte com as naus, esperando para ver o que pode acontecer agora que não está mais preso nas mãos do corrompido e pouco nobre Catual. Veja agora o juízo curioso do homem rico, assim como do homem pobre, quando a cobiça pelo dinheiro os instiga!

CANTO VIII – ESTROFE 97

“Camões comenta os atos vis feitos por causa da cobiça”

 

A Polidoro mata o rei Treício,

Só por ficar senhor do grão tesouro;

Entra pelo fortíssimo edifício

Com a filha de Acrísio a chuva d’ouro;

Pode tanto em Tarpeia avaro vício,

Que a troco do metal luzente e louro

Entrega os inimigos a alta torre,

Do qual quase afogada em pago morre.

 

A Polidoro mata o rei Treício, só por ficar senhor do grão tesouro; entra pelo fortíssimo edifício com a filha de Acrísio a chuva d’ouro; pode tanto em Tarpeia avaro vício, que a troco do metal luzente e louro entrega os inimigos a alta torre, do qual quase afogada em pago morre. (1)

(1) O rei da Trácia matou Polidoro para poder ficar com o seu grande tesouro; Júpiter conseguiu a filha do rei Acrísio ao se transformar em uma chuva de ouro; Tarpeia, ao se entregar à cobiça, entregou uma fortaleza aos inimigos em troca de ouro, embora tenha sido paga com a própria morte. Camões, ao falar sobre a cobiça pelo ouro, canta alguns casos de personagens que se entregaram ao amor pelo ouro.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O rei da Trácia matou Polidoro para poder ficar com o seu grande tesouro; Júpiter conseguiu a filha do rei Acrísio ao se transformar em uma chuva de ouro; Tarpeia, ao se entregar à cobiça, entregou uma fortaleza aos inimigos em troca de ouro, embora tenha sido paga com a própria morte.

CANTO VIII – ESTROFE 98

“Camões comenta as consequências da cobiça pelo ouro”

 

Este rende munidas fortalezas,

Faz tredores e falsos amigos;

Este a mais nobres faz fazer vilezas,

E entrega capitães aos inimigos;

Este corrompe virginais purezas,

Sem temer de honra ou fama alguns perigos;

Este deprava às vezes as ciências,

Os juízos cegando e as consciências;

 

Este rende munidas fortalezas, faz tredores e falsos amigos; este a mais nobres faz fazer vilezas, e entrega capitães aos inimigos; este corrompe virginais purezas, sem temer de honra ou fama alguns perigos; este deprava às vezes as ciências, os juízos cegando e as consciências; (1)

(1) O ouro vence as resistências das fortalezas e transforma os amigos em falsos traidores; ele faz os mais nobres dos homens cometer as mais terríveis vilanias, até entregando capitães aos inimigos; ele corrompes as puras virgens, sem ter medo dos perigos da fama e da honra; ele consegue até corromper as ciência, assim como cega os juízos e as consciências. Camões comenta o quão terrível pode ser a cobiça.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

O ouro vence as resistências das fortalezas e transforma os amigos em falsos traidores; ele faz os mais nobres dos homens cometer as mais terríveis vilanias, até entregando capitães aos inimigos; ele corrompes as puras virgens, sem ter medo dos perigos da fama e da honra; ele consegue até corromper as ciência, assim como cega os juízos e as consciências.

CANTO VIII – ESTROFE 99

“Camões comenta como a cobiça pode corromper até o mais virtuoso dos homens”

 

Este interpreta mais que sutilmente

Os textos; este faz e desfaz leis;

Este causa os perjúrios entre a gente,

E mil vezes tiranos torna os reis.

Até os que só a Deus onipotente

Se dedicam, mil vezes ouvireis

Que corrompe este encantador, e ilude;

Mas não sem rancor, contudo, da virtude.

 

Este interpreta mais que sutilmente os textos; este faz e desfaz leis; este causa os perjúrios entre a gente, e mil vezes tiranos torna os reis. Até os que só a Deus onipotente se dedicam, mil vezes ouvireis que corrompe este encantador, e ilude; mas não sem rancor, contudo, da virtude. (1)

(1) A cobiça faz o homem interpretar os textos conforme lhe convém; faz e desfaz as leis; estimula os perjúrios entres as pessoas, além de transformar os reis em tiranos. Até mesmo os homens que se dedicam ao onipotente Deus dirão que o ouro encantador consegue os corromper e iludir, mesmo que por causas virtuosas. Camões conclui seus comentários sobre a cobiça pela riqueza dizendo que ela corrompe os homens, até mesmo os mais virtuosos.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

A cobiça faz o homem interpretar os textos conforme lhe convém; faz e desfaz as leis; estimula os perjúrios entres as pessoas, além de transformar os reis em tiranos. Até mesmo os homens que se dedicam ao onipotente Deus dirão que o ouro encantador consegue os corromper e iludir, mesmo que por causas virtuosas.

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Leia o nosso próximo post sobre Os Lusíadas clicando aqui.

Os Lusíadas (Edição Didática) - Volume I e II – Editora Concreta

Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume I

Obra completa de Camões com notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre, sendo a melhor edição para quem busca compreender todos os detalhes deste grande épico.

 

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Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume II

Obra completa de Camões com notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre, sendo a melhor edição para quem busca compreender todos os detalhes deste grande épico.

 

Esses foram os nossos comentários sobre a septuagésima oitava até a nonagésima nona estrofe do oitavo canto de Os Lusíadas, onde Camões canta que o ministro Catual prende o capitão Vasco da Gama em Calecut, não o deixando voltar para as naus portuguesas.

Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.

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