Neste nosso décimo quarto comentário sobre Os Lusíadas, continuaremos lendo o primeiro canto da obra, onde Camões canta as armadilhas que o piloto mouro de Moçambique prepara para destruir a frota dos portugueses.

LUSÍADAS AS ARMADILHAS DO PILOTO MOURO
As armadilhas do piloto mouro

CANTO I – ESTROFE 94

“Fingindo estar arrependido, o regente de Moçambique tenta fazer as pazes com os lusíadas, oferendo um piloto para guia-los as terras do Oriente”

 

Pazes cometer manda arrependido,

O regedor daquela iníqua terra,

Sem ser dos lusíadas entendido,

Que em figura de paz lhe manda guerra;

Porque o piloto falso prometido,

Que toda a má tenção no peito encerra,

Para os guiar à morte lhe mandava,

Como em sinal das pazes que tratava.

 

“Pazes cometer manda arrependido, o regedor daquela iníqua terra, sem ser dos lusíadas entendido, que em figura de paz lhe manda guerra; (1) porque o piloto falso prometido, que toda a má tenção no peito encerra, para os guiar à morte lhe mandava, como em sinal das pazes que tratava. (2)

(1) O regedor daquela iníqua terra, fingindo arrependimento, propõem um termo de paz aos lusíadas, estes que não percebendo que em termos de paz lhe manda mais guerra. Camões canta que o regente de Moçambique, fingindo estar arrependido de sua armadilha, manda aos lusíadas uma nova armadilha disfarçada de oferta de paz.

(2) O piloto prometido aos portugueses, que com má intenção quer os mandar para a morte, é enviado em sinal de paz. Camões canta que o regente de Moçambique, seguindo o segundo conselho de Baco, envia um piloto que, em vez de guiar os lusíadas para as terras da Índia, vai leva-los para a morte.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“O regente de Moçambique, não tendo desistindo de destruir os lusíadas, finge arrependimento e envia aos navios portugueses o piloto prometido como um sinal de paz, este que na verdade é uma armadilha que, com más intenções, foi mandado para guiar os navios para a morte.” 

CANTO I – ESTROFE 95

“A frota dos lusíadas parte rumo as terras da Índia junto como piloto mouro”

 

O capitão, que já lhe então convinha

Tornar a seu caminho acostumado,

Que tempo concertado e ventos tinha

Para ir buscar o Indo desejado,

Recebendo o piloto, que lhe vinha,

Foi dele alegremente agasalhado;

E respondendo ao mensageiro a tento,

As velas manda dar ao largo vento.

 

“O capitão, que já lhe então convinha tornar a seu caminho acostumado, que tempo concertado e ventos tinha para ir buscar o Indo desejado, recebendo o piloto, que lhe vinha, foi dele alegremente agasalhado; (1) e respondendo ao mensageiro a tento, as velas manda dar ao largo vento. (2)

(1) O capitão, que então lhe convinha retomar o seu caminho, pois tinha tempo e ventos favoráveis para ir até o desejado Indo, e recebe o piloto alegremente. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, vendo que já era hora de velejar, aproveita o bom tempo, os ventos favoráveis e a presença do piloto para continuar a jornada dos lusíadas para as terras da Índia. Indo é o rio do Oriente que já nome à Índia.

(2) E respondendo atento ao mensageiro, manda dar velas ao vento. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, agora com um piloto o guiando e tendo bons ventos, manda esticar as velas das naus e seguir viagem.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“O capitão Vasco da Gama, vendo que já passou da hora de prosseguir o seu caminho, aproveita tempo e ventos para seguir para a desejada Índia, recebendo o piloto alegremente; e respondendo atento ao mensageiro, manda dar velas ao largo vento”

CANTO I – ESTROFE 96

“Seguia a frota dos lusíadas junto com o piloto mouro rumo as terras da Índia”

 

Destarte despedida a forte armada,

As ondas de Anfitrite dividia,

Das filhas de Nereu acompanhada,

Fiel, alegre e doce companhia.

O capitão, que não caia em nada

Do engenhoso ardil, que o mouro urdia,

Dele mui largamente se informava

Da Índia toda, e costas que passava.

 

“Destarte despedida a forte armada, as ondas de Anfitrite dividia, das filhas de Nereu acompanhada, fiel, alegre e doce companhia. (1) O capitão, que não caia em nada do engenhoso ardil, que o mouro urdia, dele mui largamente se informava da Índia toda, e costas que passava. (2)

(1) Desta forma ia a forte armada, cortando as ondas de Anfitrite e sendo acompanhada pelas filhas de Nereu, que eram fieis, alegres e doces companhias. Camões canta que a frota dos lusíadas seguia seu caminho atravessando as águas do mar. Anfitrite é a deusa do mar, filha de Oceano; Nereidas são ninfas do mar, filhas do deus Nereu.

(2) O capitão, não suspeitando da armadilha do piloto mouro, escutava as informações que recebia sobre toda a Índia, bem como das costas por onde passava. Camões canta que o capitão Vasco da Gama não suspeitava do piloto mouro que recebeu do regente de Moçambique e da armadilha que estava sendo preparada.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“Assim seguia a forte armada portuguesa, cortando as ondas de Anfitrite, e acompanhada das fiéis, alegres e doces filhas de Nereu. O capitão Vasco da gama, que não fazia ideia da armadilha que preparava o mouro, seguia se informando sobre toda à Índia, bem como das costas por onde a armada lusitana passava.”

CANTO I – ESTROFE 97

“Seguindo as instruções de Baco, o piloto mouro manipula os lusíadas para uma nova armadilha”

 

Mas o mouro, instruído nos enganos

Que o malévolo Baco lhe ensinara,

De morte ou cativeiro novos danos,

Antes que à Índia chegue, lhe prepara:

Dando razões dos portos indianos,

Também tudo o que pede lhe declara,

Que, havendo por verdade o que dizia,

De nada a forte gente se temia.

 

“Mas o mouro, instruído nos enganos que o malévolo Baco lhe ensinara, de morte ou cativeiro novos danos, antes que à Índia chegue, lhe prepara: (1) dando razões dos portos indianos, também tudo o que pede lhe declara, que, havendo por verdade o que dizia, de nada a forte gente se temia. (2)

(1) Mas o piloto mouro, que estava instruído nos ensinamentos deixados por Baco, prepara para o capitão Vasco da Gama novos danos que, antes de chegue à Índia, lhe trarão a morte ou o cativeiro. Camões canta que o piloto mouro, já sabendo da armadilha proposta por Baco, prepara um novo golpe contra o capitão Vasco da Gama para impedir que os lusíadas cheguem as terras da Índia.

(2) Dando informações verdadeiras sobre os portos indianos, bem como tudo o mais que lhe perguntam, a gente portuguesa não sente nenhum temor do mouro. Camões canta que o piloto mouro, para não levantar suspeitas de sua armadilha, fornece informações verdadeiras aos lusíadas sobre os portos indianos e dos que a frota vai passando.   

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“Mas o piloto mouro, que já instruído nos enganosos ensinamentos deixados por Baco, preparava um novo dano que traria a morte ou cativeiro ao capitão Vasco da Gama: dando informações verdadeiras sobre os portos indianos e tudo o mais que lhe pediam, o mouro não causava temor a forte gente portuguesa.” 

CANTO I – ESTROFE 98

“O piloto mouro inventa que existe um a ilha próxima habitada por cristão, sendo está uma armadilha para destruir os lusíadas”

 

E diz lhe mais, c’o falso pensamento

Com que Sínon os frígios enganou

Que peto está uma ilha, cujo assento

Povo antigo cristão sempre habitou.

O capitão, que a tudo estava a tento,

Tanto com essas novas se alegrou,

Que com dádivas grandes lhe rogava,

Que o leve a terra onde esta gente estava.

 

“E diz lhe mais, c’o falso pensamento com que Sínon os frígios enganou que peto está uma ilha, cujo assento povo antigo cristão sempre habitou. O capitão, que a tudo estava a tento, tanto com essas novas se alegrou, que com dádivas grandes lhe rogava, que o leve a terra onde esta gente estava.”

(1) E com o mesmo pensamento que Sínon enganou os frígios, o piloto mouro diz que perto está uma ilha que é um antigo assento que sempre foi assento de um povo cristão. Camões canta que o piloto mouro, querendo enganar os lusíadas e levados a morte, inventa que logo mais a frente existe uma ilha habitada por cristãos. Sínon foi um grego que enganou os troianos, dizendo para que recebessem dentro de Tróia o cavalo de madeira dado de presente pelos gregos. Frígios são nativos da Frígia, a região que estava localizada a cidade de Troia, sendo hoje a região que correspondente ao território da Turquia.

(2) O capitão, que estava atento a tudo o que o piloto mouro dizia, se alegrou tanto com a informação que rogou dádivas ao mouro e pediu para que os levassem para a terra habitada por esta gente. Camões canta que o capitão Vasco da Gama ficou tão feliz ao saber da existência de uma ilha com cristãos na região que pediu ao piloto mouro que levasse os lusíadas ao encontro desta gente.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“E com as mesmas intenções que Sínon enganou os troianos, o piloto mouro inventa que por perto existe uma ilha que é um antigo assentamento de um povo cristão. O capitão Vasco da gama, ao ouvir tal informação, fica tão alegre que, prometendo dádivas ao mouro, pede que leve a frota para a terra onde está essa gente.”

CANTO I – ESTROFE 99

“O mouro pretende levar os lusíadas para uma ilha habitada por muçulmanos”

 

O mesmo o falso mouro determina

Que o seguro cristão lhe manda e pede;

Que a ilha é possuída da malina

Gente que segue o torpe Maamede.

Aqui o engano e a morte lhe imagina,

Porque em poder as força muito excede

A Moçambique está ilha, que se chama

Quíloa, muia conhecida pela fama.

 

“O mesmo o falso mouro determina que o seguro cristão lhe manda e pede; que a ilha é possuída da malina gente que segue o torpe Maamede. (1) Aqui o engano e a morte lhe imagina, porque em poder as força muito excede a Moçambique está ilha, que se chama Quíloa, muia conhecida pela fama. (2)

(1) O falso mouro faz o que pediu o capitão cristão, já que sabe que a ilha na verdade é habitada pela maligna gente que segue a religião do torpe Maomé. Camões canta que, com o pedido do capitão Vasco da Gama para conhecer a ilha, o piloto mouro então dirige a frota dos lusíadas para a sua direção, sabendo o mouro que, na verdade, a ilha é habitada por muçulmanos.

(2) Aqui o mouro acredita que trará morte aos lusíadas, já que a famosa ilha, conhecida como Quíloa, excede em muito o poder militar de Moçambique. Camões canta que o mouro decidiu levar a frota dos lusíadas para a ilha Quíloa porque acredita que o seu poder militar seja suficiente para destruir os portugueses.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“O piloto mouro, após enganar os lusíadas com suas mentiras, decide fazer o que pede o capitão Vasco da Gama e levar a frota para ilha, já que sabe ele que ela é habitada pelos malignos seguidores da fé do torpe Maomé. O mouro imagina que a sua armadilha trará a morte aos lusíadas, já que as forças militares da ilha, que se chama Quíloa, superam em muito as de Moçambique.”

CANTO I – ESTROFE 100

“Vênus, querendo proteger os lusíadas, impede que a frota se dirija para a armadilha do piloto mouro”

 

Para lá se inclinava a leda frota;

Mas a deusa em Citera celebrada,

Vendo como deixava a certa rota

Por ir buscar a morte não cuidada,

Não consente que em terra tão remota

Se perca a gente dela tanto amada.

E com ventos contraídos a desvia

Donde o piloto falso a leva e guia.

 

“Para lá se inclinava a leda frota; mas a deusa em Citera celebrada, vendo como deixava a certa rota por ir buscar a morte não cuidada, não consente que em terra tão remota se perca a gente dela tanto amada. E com ventos contraídos a desvia donde o piloto falso a leva e guia. (1)

(1) E em direção à ilha de Quíloa seguia a frota lusitana, porém a deusa Vênus, ao ver que como deixava a rota correta e iam em direção a armadilha mortal, não aceita que sua amada gente portuguesa se perca nessas terras tão distante e, com ventos contrários, desvia a frota do caminho que o piloto mouro pretendia os levar. Camões canta que a deusa Vênus, ao ver que a frota dos lusíadas mudava de direção e ia para a armadilha do piloto mouro, por ser protetora do povo portugueses, convoca ventos que sopram na direção contrária, desviando os navios do caminho que levava para Quíloa. Citera é uma ilha da Grécia que era conhecida por cultuar a deusa Vênus.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“Assim que a alegre frota dos lusíadas mudou seu caminho para Quíloa, a deus Vênus, vendo que seguindo esse caminho eles encontram a sua morte, não permitiu que tal destino acontecesse com sua amada gente lusitana. Com ventos contrários ela atingiu os navios, desviando-os do caminho que o piloto mouro os levava.”

CANTO I – ESTROFE 101

“Vendo que não conseguirá levar os lusíadas para sua armadilha, o piloto mouro inventa outra ilha leva-los”

 

Mas o malvado mouro, não podendo

Tal determinação levar avante,

Outra maldade iníqua cometendo,

Ainda em seu propósito constante,

Lhe diz que, pois a águas discorrendo,

Os levaram por força por diante,

Que outra ilha tem perto, cuja gente

Eram cristãos com mouro juntamente.

 

“Mas o malvado mouro, não podendo tal determinação levar avante, outra maldade iníqua cometendo, ainda em seu propósito constante, (1) lhe diz que, pois a águas discorrendo, os levaram por força por diante, que outra ilha tem perto, cuja gente eram cristãos com mouro juntamente. (2)

(1) Mas o maligno piloto mouro, vendo que não conseguira seguir com seu plano, começa outra iníqua maldade para assim realizar o seu objetivo. Camões canta que o piloto mouro, percebendo que não conseguira levar os lusíadas para uma armadilha em Quíloa, começa a arquitetar uma nova arapuca, não desistindo ele do desejo de destruir a frota portuguesa.

(2) Diz ele ao capitão que, com a força das águas os levando adiante, outra ilha próxima eles podem visitar, esta que possui cristãos e mouros. Camões canta que, após informar que os lusíadas não poderão ir até Quíloa por causa da força das águas, o piloto mouro diz ao capitão Vasco da Gama que existe outra ilha próxima, está com seguidores de Jesus Cristo e de Maomé.   

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“Mas o maligno piloto mouro, vendo que não poderá seguir com o seu plano, começa outra maldade iníqua, já que ainda está firme em seu propósito de destruir os lusíadas. Diz ela ao capitão Vasco da Gama que, como as águas não permitem que ele vão até Quíloa, ainda é possível visitar outra ilha próxima, esta que tem habitantes cristãos e muçulmanos.” 

CANTO I – ESTROFE 102

“Está outra ilha também é habitada por muçulmanos, sendo está uma nova oportunidade para destruir os lusíadas”

 

Também nestas palavras lhe mentia,

Como por regimento enfim levava,

Que aqui gente de Cristo não havia,

Mas a que Maamede celebrava.

O capitão, que em tudo o mouro cria,

Virando as velas, a ilha demandava;

Mas, não querendo a deusa guardadora,

Não entra pela barra, e surge fora.

 

“Também nestas palavras lhe mentia, como por regimento enfim levava, que aqui gente de Cristo não havia, mas a que Maamede celebrava. (1) O capitão, que em tudo o mouro cria, virando as velas, a ilha demandava; mas, não querendo a deusa guardadora, não entra pela barra, e surge fora. (2)

(1) Mas o piloto mouro, que seguia as ordens recebidas, novamente estava mentindo, já que nesta ilha não existe nenhum seguidor de Cristo, apenas os seguidores de Maomé. Camões canta que o piloto mouro, por estar seguindo as ordens do regente de Moçambique e os conselhos de Baco, novamente mentia aos lusíadas quando disse que haviam cristãos na ilha, já que apenas muçulmanos habitam essas terras. 

(2) O capitão, que acredita em tudo o que diz o piloto mouro, segue para essa outra ilha; mas não querendo Vênus, eles não entram na ilha pela barra, estando os navios fora do porto. Camões canta o capitão Vasco da Gama continua acreditando no que diz o mentiroso piloto mouro e chega até a ilha; a deus Vênus, querendo protege-los, faz com que eles não entrem diretamente no local, ficando os navios estacionados fora do porto da ilha. Barra é um termo náutico que se refere aos obstáculos que existe na entrada de um porto.

Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:

“Por seguir as instruções do regente de Moçambique, nisso também mente o piloto mouro, já que não existem fiéis de Cristo na ilha, apenas os seguidores de Maomé. O capitão Vasco da Gama, que ainda acredita em tudo o que fala o piloto mouro, segue para esta outra ilha. A deusa Vênus, que deseja proteger os lusíadas, não permite que eles entrem diretamente na ilha, ficando a frota fora dos portos.”

 

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Esses foram os nossos comentários sobre a octogésima oitava até a nonagésima terceira estrofe do primeiro canto de Os Lusíadas, onde Camões canta as armadilhas que o piloto mouro de Moçambique prepara para destruir a frota dos portugueses.

Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.

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