Neste nosso vigésimo primeiro comentário sobre Os Lusíadas, continuaremos a ler o segundo canto da obra, onde Camões canta a visita de Mercúrio ao capitão Vasco da Gama a fim de avisa-lo para que deixe Mombaça e parta para Melinde.

CANTO II – ESTROFE 56
Como isto disse, manda o consagrado
Filho de Maia à terra, porque tenha
Um pacífico porto e sossegado,
Para onde sem receio a frota venha;
E para que em Mombaça, aventurado,
O forte capitão se não detenha,
Lhe manda mais, que em sonhos lhe mostrasse
A terra, onde quieto repousasse.
“Como isto disse, manda o consagrado filho de Maia à terra, porque tenha um pacífico porto e sossegado, para onde sem receio a frota venha (1); e para que em Mombaça, aventurado, o forte capitão se não detenha, lhe manda mais, que em sonhos lhe mostrasse a terra, onde quieto repousasse (2).”
(1) Após dar sua resposta à Vênus, onde disse que os portugueses alcançariam as terras do Oriente e ali realizariam os feitos mais grandiosos até então, Júpiter manda que deus mensageiro Mercúrio (filho de Maia) ir até a terra para que providencie um porto que seja realmente amigável à frota portuguesa.
(2) Também manda que ele vá até os sonhos de Vasco da Gama e lhe mostre que o porto de Mombaça é perigoso e que ali ele não perca mais tempo, pois outro local mais amigável que aguarda.
“Tendo dito isso, Júpiter manda Mercúrio, seu consagrado mensageiro, à terra para preparar um porto seguro para os portugueses descansarem. Além disso, também manda que ele visite os sonhos do capitão Vasco da Gama, o informando para que deixe Mombaça e seguia para um porto mais seguro.”
CANTO II – ESTROFE 57
Já pelo ar o Cileneu voava;
Com as asas nos pés à terra desce;
Sua vara fatal na mão levava,
Com que os olhos cansados adormece:
Com esta, as tristes almas revocava
Do Inferno, e vento lhe obedece.
Na cabeça o galero costumado.
E destarte a Melinde foi chegado.
“Já pelo ar o Cileneu voava; com as asas nos pés à terra desce; sua vara fatal na mão levava, com que os olhos cansados adormece: com esta, as tristes almas revocava do Inferno, e vento lhe obedece (1). Na cabeça o galero costumado. E destarte a Melinde foi chegado (2).”
(1) Acatando as ordens de Júpiter, Mercúrio (Cileneu) parte dos céus voando com seus pés de asas e desce à terra, como se o vento lhe obedecesse
(2) Ele levava em suas mãos o Caduceu, o cajado que podia colocar os vivos para dormir e ressuscitar os mortos. Voando desta forma e estando com seu chapéu galero na cabeça, Mercúrio já chega na cidade de Melinde¹.
“Ia pelo ar Mercúrio, voando com seus pés com asas à terra enquanto carregava em mãos o caduceu que podia colocar os vivos para dormir e ressuscitar os mortos; era tão rápido que nem o vento podia segura-lo; carregava na cabeça seu galero. Desta maneira chegou o mensageiro à cidade de Melinde.”
¹Melinde é um dos vários reinos que ficavam na costa africana, sendo que tem sua cidade tem este mesmo. Será ali que os portugueses serão acolhidos e descasarão após tantas dificuldades.
CANTO II – ESTROFE 58
Consigo a Fama leva, porque diga
Do lusitano o preço grande e raro,
Que o nome ilustre a um certo amor obriga,
E faz, quem o tem, amado e caro.
Destarte vai fazendo a gente amiga,
C’o rumor famosíssimo, e preclaro.
Já Melinde em desejos arde todo
De ver da gente forte o gesto modo.
“Consigo a Fama leva, porque diga do lusitano o preço grande e raro, que o nome ilustre a um certo amor obriga, e faz, quem o tem, amado e caro (1). Destarte vai fazendo a gente amiga, c’o rumor famosíssimo, e preclaro. Já Melinde em desejos arde todo de ver da gente forte o gesto modo (2).”
(1) A deusa Fama¹ veio junto com ele para Melinde, ela que espalhará que os portugueses são um povo de grande valor e, assim, garantir o carinho do povo local.
(2) Espalhando esses rumores, Mercúrio (mensageiro) torna o povo de Melinde amigável, tanto que já desejam conhecer os bravos marinheiros portugueses
“Mercúrio leva Fama consigo para Melinde, ela que espalha o grande e raro valor dos portugueses entre o povo e, desta forma, vai fazendo a população ficar amiga dos lusíadas, sendo que todos já estão curiosos para conhecerem a frota do capitão Vasco da Gama, seus aspectos e suas roupas.”
¹Fama é a divindade que espalhava as virtudes e vícios dos demais deuses.
CANTO II – ESTROFE 59
Dali para Mombaça logo parte,
Aonde as naus estavam temerosas,
Para que à gente mande que se aparte
Da barra imiga e terras suspeitosas:
Porque mui pouco val esforço e arte,
Contra infernais vontades enganosas;
Pouco val coração, astúcia e siso,
Se lá do Céus no vem celeste aviso
“Dali para Mombaça logo parte, aonde as naus estavam temerosas, para que à gente mande que se aparte da barra imiga e terras suspeitosas (1); porque mui pouco val esforço e arte, contra infernais vontades enganosas; pouco val coração, astúcia e siso, se lá do Céus no vem celeste aviso (2)”
(1) Feito isso, Mercúrio parte para Mombaça, pois era ali onde estavam as naus portuguesas que ele deveria mandar não entrar na barra da cidade e, sim, fugir desta terra inimiga.
(2) Camões diz que o esforço e coragem dos portugueses não tem força alguma contra as infernais e enganosas intenções daqueles mouros, pois astúcia e bom senso só tem poder quando são amparados pela proteção dos céus.
“Então Mercúrio parte para Mombaça para mandar os portugueses partirem deste porto inimigo e destas terras suspeitas. Faz isso pois o esforço e arte deles tem pouco valor contra a infernal vontade dos mouros, sendo que as suas virtudes só tem força contra esse mal quando são aparados pela misericórdia divina.”
CANTO II – ESTROFE 60
Meio caminho a noite tinha andado,
E as estrelas do céu, c’o a luz alheia,
Tinham o largo mundo alumiado;
E só c’o sono e gente se recreia.
O capitão ilustre, já cansado
De vigiar a noite que arreceia,
Breve repouso então os olhos dava,
A outra gente a quartos vigiava.
“Meio caminho a noite tinha andado, e as estrelas do céu, c’o a luz alheia, tinham o largo mundo alumiado; e só c’o sono e gente se recreia. O capitão ilustre, já cansado de vigiar a noite que arreceia, breve repouso então os olhos dava, a outra gente a quartos vigiava (1).”
(1) A noite já estava na metade durante este momento, com as estrelas do céu iluminando o mundo enquanto as pessoas dormem. Já estando cansado de vigiar a noite, Vasco da Gama agora iria dar descanso aos seus olhos e deixar que outros marinheiros assumissem sua vigília.
“Já era meia-noite em Mombaça, com as estrelas iluminando o largo mundo e a humanidade repousando. O ilustre capitão Vasco da Gama, cansado e com medo, termina sua vigília e parte para um breve repouso, deixando outros marinheiros cuidando da noite.”
CANTO II – ESTROFE 61
Quando Mercúrio em sonhos lhe aparece,
Dizendo: “Fuge, fuge, lusitano,
Da cilada que o rei malvado tece,
Por te trazer ao fim, e extremo dano;
Fuge, que o vento, e o céu te favorece;
Sereno o tempo tens e o oceano,
E outro rei mais amigo, noutra parte,
Onde podes seguro agasalhar-te.
“Quando Mercúrio em sonhos lhe aparece, dizendo: “Fuge, fuge, lusitano, da cilada que o rei malvado tece, por te trazer ao fim, e extremo dano (1); fuge, que o vento, e o céu te favorece; sereno o tempo tens e o oceano, e outro rei mais amigo, noutra parte, onde podes seguro agasalhar-te (2).”
(1) Mercúrio surge nos sonhos do capitão Vasco da Gama dizendo para que ele fugir com sua frota, pois o rei de Mombaça tem uma armadilha preparada para destruí-lo;
(2) Diz para que ele parta logo, pois Deus favorece a partida e, como também tem tempo e mar favoráveis, Vasco da Gama breve ele encontrará um rei mais amigável para auxiliar a frota portuguesa.
“Já dormia o capitão Vasco da Gama quando, em seus senhos, aparece Mercúrio dizendo: Fuja, fuja, lusitano, da cilada que o maligno rei de Mombaça prepara te destruir, Fuja logo, que vento e céu te favorecem, tendo tempo e oceano tranquilos e, em outra lugar, tem um rei amigo que pode te receber.”
CANTO II – ESTROFE 62
Não tens aqui senão aparelhado
O hospício que o cru Diomedes dava,
Fazendo ser manjar acostumado
De cavalos a gente que hospedava;
As aras de Busíris infamado,
Onde os hospedes tristes imolava,
Terás certas aqui, se muito esperas.
Fuge das gentes pérfidas e feras.
“Não tens aqui senão aparelhado o hospício que o cru Diomedes dava, fazendo ser manjar acostumado de cavalos a gente que hospedava (1); as aras de Busíris infamado, onde os hospedes tristes imolava, terás certas aqui, se muito esperas. Fuge das gentes pérfidas e feras (2).”
(1) Diz que Vasco da Gama apenas encontrará a morte se ficar em Mombaça. Compara esse terrível fim ao que o cruel rei Diomedes dava aos seus hospedes, pois ele os matava e os dava de comer aos seus cavalos¹.
(2) Também diz que, se ele e seus marinheiros demorarem muito para partir, sofrerão como os hospedes do infame rei Busíris, sendo mortos num altar. Mercúrio pede mais uma vez que o capitão português fuja dos pérfidos e selvagens mouros de Mombaça.
“Aqui em Mombaça será como se fossem hospedes do cruel rei Diomedes, que os dava para serem devorados por suas éguas ou, se ficarem esperando muito, será como se fossem hospedes do infame rei Buríris, que os sacrificava aos deuses. Fuja logo destes mouros pérfidos e selvagens.”
¹Diomedes foi, na mitologia, um rei da Trácia que alimentava seus cavalos com carne humana.
²Busíris, na mitologia, foi um rei do Egito que sacrificava estrangeiros aos deuses.
CANTO II – ESTROFE 63
“Vai ao longo da costa discorrendo,
E outra terra acharás de mais verdade,
Lá quase junto donde o sol ardendo
Iguala o dia e noite em quantidade;
Ali tua frota alegre recebendo
Um rei, com muitas obras de amizade,
Gasalhado seguro te daria,
E, para a Índia, certa e sábia guia.”
“Vai ao longo da costa discorrendo, e outra terra acharás de mais verdade, lá quase junto donde o sol ardendo iguala o dia e noite em quantidade (1); ali tua frota alegre recebendo um rei, com muitas obras de amizade, gasalhado seguro te daria, e, para a Índia, certa e sábia guia (2).”
(1) Diz para que a frota portuguesa siga navegando ao longo da costa africana, pois logo eles encontrarão um povo mais amigável (de mais verdade), sendo que eles ficam próximos do Linha do Equador (onde o Sol é ardente e o dia e a noite duram o mesmo tempo).
(2) Mercúrio diz que a frota será recebida com muita alegria pelo monarca desta terra, este que acolherá os portugueses e também fornecerá um guia para leva-los até as terras da Índia.
“Continue seguindo com a sua frota ao longo da costa que, mais a frente, próximo da região onde o sol ardente igual a duração do dia e da noite, vocês encontrarão uma terra muito mais amigável, com um rei que recebera os receberá alegremente, dando abrigo e fornecendo o guia que para as terras da Índia.”
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Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume I
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Esses foram os nossos comentários sobre a quinquagésima sexta até a sexagésima terceira estrofe do segundo canto de Os Lusíadas, onde Camões canta a visita de Mercúrio ao capitão Vasco da Gama a fim de avisa-lo para que deixe Mombaça e parta para Melinde.
Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.