Neste nosso trigésimo segundo comentário sobre Os Lusíadas, continuaremos a ler o terceiro canto da obra, onde Camões canta as situações que levaram o reino de Portugal, sob o comando do rei Afonso IV, a participar da batalha de Salado.
CANTO III – ESTROFE 99
“O capitão Vasco da Gama começa a comentar as situações que levaram o reino de Portugal, sob comando do rei Afonso IV, a participar da batalha de Salado”
Este sempre as soberbas castelhanas
Co’m peito desprezou firme e sereno;
Porque não é das forças lusitanas
Temer poder maior, mas por mais pequeno.
Mas porém, quando as gentes mauritanas
A possuir hespérico terreno
Entraram pelas terras de Castela,
Foi o soberbo Afonso a socorrê-la.
“Este sempre as soberbas castelhanas co’m peito desprezou firme e sereno; porque não é das forças lusitanas temer poder maior, mas por mais pequeno. Mas porém, quando as gentes mauritanas a possuir hespérico terreno entraram pelas terras de Castela, foi o soberbo Afonso a socorrê-la. (1)”
(1) O rei Afonso IV, sereno e firme, sempre desprezou a soberba do reino de Castela, já que é do feitio dos portugueses, sendo uma nação menor temer uma nação que seja maior. Porém, quando as forças militares dos mouros invadiram as terras de Castela visando conquistar o território da Hispânia, o orgulho rei Afonso IV partiu com suas forças para socorre-la. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que o rei Afonso IV, que nunca se intimidou pelo tamanho do reino de Castela, quando foi preciso, foi socorrer o vizinho da invasão dos mouros.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O rei Afonso IV, sereno e firme, sempre desprezou a soberba do reino de Castela, já que é do feitio dos portugueses, sendo uma nação menor temer uma nação que seja maior. Porém, quando as forças militares dos mouros invadiram as terras de Castela visando conquistar o território da Hispânia, o orgulho rei Afonso IV partiu com suas forças para socorre-la.”
CANTO III – ESTROFE 100
“O capitão Vasco da Gama comenta o quão grande era o exército que o imperador mouro do Marrocos reuniu para atacar o reino de Castela”
Nunca com Semirâmis gente tanta
Veio aos campos idáspicos enchendo;
Nem Átila, que Itália toda espanta,
Chamando-se de Deus açoute horrendo,
Gótica gente trouxe tanta, quanta
Do Sarraceno bárbaro estupendo,
Co’o poder excessivo de Granada,
Foi nos campos tartésios ajuntada.
“Nunca com Semirâmis gente tanta veio aos campos idáspicos enchendo; nem Átila, que Itália toda espanta, chamando-se de Deus açoute horrendo, gótica gente trouxe tanta, quanta do Sarraceno bárbaro estupendo, co’o poder excessivo de Granada, foi nos campos tartésios ajuntada. (1)”
(1) Nem a rainha Semirânis, que ficou conhecida pelas suas conquistas na Ásia, conseguiu juntar tantos soldados nos campos de batalha idáspicos quanto o invasor mouro; nem o rei huno Átila, que ficou conhecido por trazer o terror por toda Itália chamando-se de horrendo açoute de Deus, conseguiu juntar tantos soldados góticos do norte quanto o invasor mouro; O imperador mouro do Marrocos juntou nos campos de tartésios um enorme exército para conseguir conquistar as terras de Granada e, por consequência, de toda Hispânia. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta o enorme exército que o imperador mouro do Marrocos reuniu para conquistar as terras da Hispânia.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Nem a rainha Semirânis, que ficou conhecida pelas suas conquistas na Ásia, conseguiu juntar tantos soldados nos campos de batalha idáspicos quanto o invasor mouro; nem o rei huno Átila, que ficou conhecido por trazer o terror por toda Itália chamando-se de horrendo açoute de Deus, conseguiu juntar tantos soldados góticos do norte quanto o invasor mouro; O imperador mouro do Marrocos juntou nos campos de tartésios um enorme exército para conseguir conquistar as terras de Granada e, por consequência, de toda Hispânia.”
CANTO III – ESTROFE 101
“O capitão Vasco da Gama conta que o rei de Castela, ao ver o quão grande era o exército mouro, manda sua esposa pedir ajuda ao rei de Portugal”
E vendo o rei sublime castelhano
A força inexpugnábil, grande e forte
Temendo mais o fim do povo hispano,
Já perdido uma vez, que a própria morte
Pedindo ajuda ao forte Lusitano,
Lhe mandava a caríssima consorte,
Mulher de quem a manda, a filha amada
Daquele a cujo rei foi mandada.
“E vendo o rei sublime castelhano a força inexpugnábil, grande e forte temendo mais o fim do povo hispano, já perdido uma vez, que a própria morte pedindo ajuda ao forte Lusitano, lhe mandava a caríssima consorte, mulher de quem a manda, a filha amada daquele a cujo rei foi mandada. (1)”
(1) E o rei Afonso XI de Castela, ao ver a grande e forte força do exército mouro e temer que seja, novamente, o fim do povo hispânico, manda sua caríssima esposa ir pedir ajuda ao rei Afonso IV de Portugal, de quem ele era filha amada. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que o pedido de socorro que o rei de Castela fez ao rei de Portugal, já que o monarca castelhano temia que o grande exército castelhano fosse o fim de seu povo.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E o rei Afonso XI de Castela, ao ver a grande e forte força do exército mouro e temer que seja, novamente, o fim do povo hispânico, manda sua caríssima esposa ir pedir ajuda ao rei Afonso IV de Portugal, de quem ele era filha amada.”
CANTO III – ESTROFE 102
“O capitão Vasco da Gama conta que d. Maria chega para falar com o seu pai, o rei de Portugal,”
Entrava a formosíssima Maria
Pelos paternais passos sublimados;
Lindo o gesto, mas fora de alegria,
E seus olhos em lágrimas banhados.
Os cabelos angélicos trazia
Pelos ebúrneos ombros espalhados.
Diante do pai ledo, que a agasalha,
Estas palavras tais chorando espalha:
“Entrava a formosíssima Maria pelos paternais passos sublimados; lindo o gesto, mas fora de alegria, e seus olhos em lágrimas banhados. Os cabelos angélicos trazia pelos ebúrneos ombros espalhados. Diante do pai ledo, que a agasalha, estas palavras tais chorando espalha: (1)”
(1) Afim de pedir ajuda contra a invasão dos mouros, a formosíssima Maria, esposa do rei de Afonso XI de Castela, entrava sem alegria nos palácios do pai, o rei Afonso IV de Portugal, com seus olhos banhados em lágrimas. Ela trazia os angélicos cabelos caídos sobre os brancos ombros e, diante do pai, que alegremente a recebia, disse chorando essas palavras. Camões canta o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que d. Maria, esposa do rei de Castela, foi pedir ajuda ao seu pai, rei de Portugal, contra a invasão do imperador mouro do Marrocos [o pedido de ajuda começa na estrofe seguinte].
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Afim de pedir ajuda contra a invasão dos mouros, a formosíssima Maria, esposa do rei de Afonso XI de Castela, entrava sem alegria nos palácios do pai, o rei Afonso IV de Portugal, com seus olhos banhados em lágrimas. Ela trazia os angélicos cabelos caídos sobre os brancos ombros e, diante do pai, que alegremente a recebia, disse chorando essas palavras:”
CANTO III – ESTROFE 103
“O capitão Vasco da Gama comenta que D. Maria pede ajuda ao pai na luta do reino de Castela contra os mouros invasores”
“Quantos povos a terra produziu
De África toda, gente fera e estranha,
O grão rei de Marrocos conduziu,
Para vir possuir a nobre Espanha:
Poder tamanho junto não se viu,
Depois que o salso mar a terra banha.
Trazem ferocidade e furor tanto,
Que a vivos medo, e a mortos faz espanto.
“Quantos povos a terra produziu de África toda, gente fera e estranha, o grão rei de Marrocos conduziu, para vir possuir a nobre Espanha: poder tamanho junto não se viu, depois que o salso mar a terra banha. Trazem ferocidade e furor tanto, que a vivos medo, e a mortos faz espanto. (1)”
(1) Diz d. Maria ao seu pai: “O grande rei do Marrocos, desejando conquistar as nobres terras da Espanha, trouxe um exército com todos os povos da África, estes sendo uma gente feroz e desconhecida. Desde de que o salgado mar banha a terra, nunca se viu um exército tão grande que, com ferocidade e violência, consegue espantar os vivos e até assustar os mortos.” Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que a d. Maria avisa ao seu pai, rei Afonso IV de Portugal, que um enorme exército vem do Marrocos para conquistar as terras da Hispânia.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Diz d. Maria ao seu pai: O grande rei do Marrocos, desejando conquistar as nobres terras da Espanha, trouxe um exército com todos os povos da África, estes sendo uma gente feroz e desconhecida. Desde de que o salgado mar banha a terra, nunca se viu um exército tão grande que, com ferocidade e violência, consegue espantar os vivos e até assustar os mortos.”
CANTO III – ESTROFE 104
“O capitão Vasco da Gama conta que D. Maria argumenta que, caso Portugal não forneça ajuda, o reino de Castela será destruído”
“Aquele que me deste por marido,
Por defender sua terra amedrontada,
Co’o pequeno poder, oferecido
Ao duro golpe esta da maura espada;
E se não contigo socorrido,
Ver-me-ás dele e do reino ser privada,
Viúva e triste, e posta em vida escura,
Sem marido, sem reino, e sem ventura.
“Aquele que me deste por marido, por defender sua terra amedrontada, co’o pequeno poder, oferecido ao duro golpe esta da maura espada; e se não contigo socorrido, ver-me-ás dele e do reino ser privada, viúva e triste, e posta em vida escura, sem marido, sem reino, e sem ventura. (1)”
(1) Continua a d. Maria: “Amado Pai, aquele homem que me deste por marido, querendo defender a amedrontada terra de Castela, está prestes a sofre o duro golpe da espada mouro, já que seu exército e pequeno quando comparado com o adversário. Se ele não foi socorrido por ti, ver-me-ás dele e do reino de Castela ser privada, além de viúva, triste e ao acaso. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que d. Maria pede auxílio ao pai, rogando que o monarca português se junto ao seu marido para lutar contra o enorme exército mouro.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Continua a d. Maria: Amado Pai, aquele homem que me deste por marido, querendo defender a amedrontada terra de Castela, está prestes a sofre o duro golpe da espada mouro, já que seu exército e pequeno quando comparado com o adversário. Se ele não foi socorrido por ti, ver-me-ás dele e do reino de Castela ser privada, além de viúva, triste e ao acaso.”
CANTO III – ESTROFE 105
“O capitão Vasco da Gama comenta a conclusão do pedido de ajuda feita por d. Maria ao seu pai, o rei de Portugal”
“Portanto, ó rei, de quem com puro medo
O corrente Muluca se congela,
Rompe toda a tardança; açude cedo
A miseranda gente de Castela.
Se esse gesto, que mostras claro e ledo,
De pai o verdadeiro amor assela,
Acude e corre, pai; que se, não corres,
Pode ser que não aches quem socorres.”
“Portanto, ó rei, de quem com puro medo o corrente Muluca se congela, rompe toda a tardança; açude cedo a miseranda gente de Castela. Se esse gesto, que mostras claro e ledo, de pai o verdadeiro amor assela, acude e corre, pai; que se, não corres, pode ser que não aches quem socorres. (1)”
(1) Concluí d. Maria: “Portanto, ó rei, de quem o rio Muluca se congela de medo, não fique esperando; parta imediatamente para ajudar o desesperado povo de Castela. Se esse gesto de franqueza e alegria significa o amor de pai que tem por mim, corra para socorrer os castelhanos, pois, caso não corra agora, é provável que não encontre alguém pra socorrer.” Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, conta a parte final do pedido de d. Maria ao seu pai, onde ele pede para que ele parta imediatamente para auxiliar o exército de Castela contra a invasão dos mouros.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Concluí d. Maria: Portanto, ó rei, de quem o rio Muluca se congela de medo, não fique esperando; parta imediatamente para ajudar o desesperado povo de Castela. Se esse gesto de franqueza e alegria significa o amor de pai que tem por mim, corra para socorrer os castelhanos, pois, caso não corra agora, é provável que não encontre alguém pra socorrer.
CANTO III – ESTROFE 106
“O capitão Vasco da Gama diz que d. Maria, usando de sua doçura, conseguiu convencer seu pai, assim como Vênus conseguiu convencer Júpiter”
Não de outra sorte a tímida Maria
Falando está que a triste Vênus, quando
A Júpiter seu pai favor pedia
Para Enéias seu filho navegando,
Que a tanta piedade o comovia,
Que, caído das mãos o raio infando,
Tudo o clemente Padre lhe concede,
Pesando-lhe do pouco que lhe pede.
“Não de outra sorte a tímida Maria falando está que a triste Vênus, quando a Júpiter seu pai favor pedia para Enéias seu filho navegando, que a tanta piedade o comovia, que, caído das mãos o raio infando, tudo o clemente Padre lhe concede, pesando-lhe do pouco que lhe pede. (1)”
(1) A tímida Maria utiliza da mesma estratégia de Vênus quando ela foi interceder por seu filho Enéias que estava navegando; Vênus comoveu Júpiter com tanta piedade que ele deixou seu infando raio cair e atendeu a todos os seus pedidos da filha. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que D. Maria foi muito convincente ao faze seu pedido ao seu pai, o rei Afonso IV de Portugal.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“A tímida Maria utiliza da mesma estratégia de Vênus quando ela foi interceder por seu filho Enéias que estava navegando; Vênus comoveu Júpiter com tanta piedade que ele deixou seu infando raio cair e atendeu a todos os seus pedidos da filha.”
CANTO III – ESTROFE 107
“O capitão Vasco da Gama descreve a cavalaria portuguesa que se prepara para lutar contra os mouros ”
Mas já co’os esquadrões da gente armada
Os eborenses campos vão coalhados.
Lustra co’o sol o arnês, a lança, a espada:
Vão rinchando os cavalos jaezados.
A canora trombeta embandeirada
Os corações à paz acostumadas
Vai às fulgentes armas incitando,
Pelas concavidades retumbando.
“Mas já co’os esquadrões da gente armada os eborenses campos vão coalhados. Lustra co’o sol o arnês, a lança, a espada: vão rinchando os cavalos jaezados. A canora trombeta embandeirada os corações à paz acostumadas vai às fulgentes armas incitando, pelas concavidades retumbando. (1)”
(1) De imediato os esquadrões do exército portugueses se preparam nos campos da cidade Évora, local onde estavam d. Maria e o rei Afonso IV. As armaduras dos cavaleiros brilham com o sol, assim como suas lanças e espadas; relincham os cavalos que estão preparados; com o retumbar das trombetas embandeiradas, os corações dos portugueses que estavam se acostumando com a paz ficam incitados ao combate. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, mostra que, após o pedido de ajuda de d. Maria, os cavaleiros do rei Afonso IV já se preparam para partir em auxílio ao reino de Castela.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“De imediato os esquadrões do exército portugueses se preparam nos campos da cidade Évora, local onde estavam d. Maria e o rei Afonso IV. As armaduras dos cavaleiros brilham com o sol, assim como suas lanças e espadas; relincham os cavalos que estão preparados; com o retumbar das trombetas embandeiradas, os corações dos portugueses que estavam se acostumando com a paz ficam incitados ao combate.”
CANTO III – ESTROFE 108
“O capitão Vasco da Gama conta que o rei Afonso IV está presente no exército português, este que parte rumo ao reino de Castela”
Entre todos no meio se sublima,
Das insígnias reais acompanhado,
O valoroso Afonso, que por cima
De todos leva o colo alevantando;
E somente co’o gesto esforça e anima
A qualquer coração amedrontado:
Assim entra nas terras de Castela
Com a filha gentil, rainha dela.
“Entre todos no meio se sublima, das insígnias reais acompanhado, o valoroso Afonso, que por cima de todos leva o colo alevantando; e somente co’o gesto esforça e anima a qualquer coração amedrontado: assim entra nas terras de Castela com a filha gentil, rainha dela. (1)”
(1) E, dentre todos os cavaleiros portugueses, o valoro rei Afonso era o que mais se destacava, ao utilizar as insígnias reais e, somente ao levantar o pescoço, conseguia animar qualquer coração amedrontado. Nesta maneira, o esquadrão dos portugueses entra nas terras do reino Castela, estando eles acompanhados de d. Maria. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que o rei Afonso IV parte com seu exército para auxiliar o reino de Castela contra a invasão dos mouros.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E, dentre todos os cavaleiros portugueses, o valoro rei Afonso era o que mais se destacava, ao utilizar as insígnias reais e, somente ao levantar o pescoço, conseguia animar qualquer coração amedrontado. Nesta maneira, o esquadrão dos portugueses entra nas terras do reino Castela, estando eles acompanhados de d. Maria.”
CANTO III – ESTROFE 109
“O capitão Vasco da Gama conta que os reis de Portugal e de Castela se reúnem para lutar contra a invasão dos mouros”
Juntos os duos Afonsos finalmente
Nos campos de Tarifa estão defronte
Da grande multidão da cega gente,
Para quem são pequenos campo e monte.
Não há peito tão alto e tão potente
Que da desconfiança não se afronte,
Enquanto não conheça e claro veja
Que co’o braço dos seus Cristo peleja.
“Juntos os duos Afonsos finalmente nos campos de Tarifa estão defronte da grande multidão da cega gente, para quem são pequenos campo e monte. Não há peito tão alto e tão potente que da desconfiança não se afronte, enquanto não conheça e claro veja que co’o braço dos seus Cristo peleja. (1)”
(1) Estando juntos o rei Afonso IV de Portugal e o rei Afonso XI de Castela, os monarcas encaram o enorme exército dos mouros que se reúne nos campos de Tarifa, exército este que, de tão grande, não cabe na planície e acaba preenchendo os morros adjacentes. Não há coração cristão que não fique abalado em tal situação, caso este não conheça e veja que Jesus Cristo luta com os seus seguidores. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que estão reunidos os exércitos de Portugal e Castela diante do enorme exército mouro.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Estando juntos o rei Afonso IV de Portugal e o rei Afonso XI de Castela, os monarcas encaram o enorme exército dos mouros que se reúne nos campos de Tarifa, exército este que, de tão grande, não cabe na planície e acaba preenchendo os morros adjacentes. Não há coração cristão que não fique abalado em tal situação, caso este não conheça e veja que Jesus Cristo luta com os seus seguidores.”
CANTO III – ESTROFE 110
“O capitão Vasco da Gama comenta que o exército mouro debocha do tamanho do exército cristão de Portugal e de Castela”
Estão os de Agar os netos quase rindo
Do poder dos cristãos fraco e pequeno,
As terras, como suas, repartindo
Antemão entre o exército agareno,
Que com título falso possuindo
Está o famoso nome sarraceno;
Assim também, com falsa conta e nua,
À nobre terra alheia chamam sua.
“Estão os de Agar os netos quase rindo do poder dos cristãos fraco e pequeno, as terras, como suas, repartindo antemão entre o exército agareno, que com título falso possuindo está o famoso nome sarraceno; assim também, com falsa conta e nua, à nobre terra alheia chamam sua. (1)”
(1) Os muçulmanos, netos de Agar, estão quase rindo do pequeno exército dos cristãos; já repartem de antemão o território como se já fossem suas; os mouros, que são africanos, utilizam falsamente o nome dos sarracenos, que são árabes, dizendo que nobre terra é sua. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que o exército mouro ri ao ver a pequena força cristã, já acreditando ter ganho a batalha.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Os muçulmanos, netos de Agar, estão quase rindo do pequeno exército dos cristãos; já repartem de antemão o território como se já fossem suas; os mouros, que são africanos, utilizam falsamente o nome dos sarracenos, que são árabes, dizendo que nobre terra é sua.”
CANTO III – ESTROFE 111
“O capitão Vasco da Gama compara o deboche dos mouros com o do gigante Golias, este que debochou do pequeno Davi e acabou sendo morto por ele”
Que o membrudo e bárbaro gigante,
Do rei Saul com causa tão temido,
Vendo o pastor inerme estar diante,
Só de pedras e esforço apercebido,
Com palavras soberbas e arrogante
Despreza-o franco moço mal vestido,
Que rodeando a funda, o desengana
Quanto mais pode a fé que a força humana:
“Que o membrudo e bárbaro gigante, do rei Saul com causa tão temido, vendo o pastor inerme estar diante, só de pedras e esforço apercebido, com palavras soberbas e arrogante despreza-o franco moço mal vestido, que rodeando a funda, o desengana quanto mais pode a fé que a força humana: (1)”
(1) Os mouros riem do pequeno exército cristão, assim como o gigante e bárbaro Golias – conhecido por causar medo ao rei Saul – que, ao ver Davi apenas com pedras e uma funda na mão, despreza o fraco moço, desacreditando que a fé tem mais poder que a força humana. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, compara a situação do exército cristão com a situação de Davi contra Golias.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Os mouros riem do pequeno exército cristão, assim como o gigante e bárbaro Golias – conhecido por causar medo ao rei Saul – que, ao ver Davi apenas com pedras e uma funda na mão, despreza o fraco moço, desacreditando que a fé tem mais poder que a força humana.”
CANTO III – ESTROFE 112
“O capitão Vasco da Gama comenta que, apesar de estarem em menor número, o exército cristão não teme os grandes números dos mouros”
Destarte o mouro pérfido despreza
O poder dos cristãos; e não entende
Que está ajudado da alta fortaleza
A quem o inferno horrífico se rende.
Com ela o Castelhano e com destreza
De Marrocos o rei comete e ofende;
O Português, que tudo estima em nada
Se faz temer o reino de Granada.
“Destarte o mouro pérfido despreza o poder dos cristãos; e não entende que está ajudado da alta fortaleza a quem o inferno horrífico se rende. Com ela o Castelhano e com destreza de Marrocos o rei comete e ofende; o Português, que tudo estima em nada se faz temer o reino de Granada. (1)”
(1) Assim o pérfido mouro despreza o poder dos cristãos, não entendendo que eles têm o apoio da Alta Fortaleza, esta que rende até o horrível inferno. Com o apoio dela o rei de Castela investe contra as forças do rei do Marrocos, enquanto o rei de Portugal, que nada teme, investe contra as força do rei de Granada. Camões canta que o capitão Vasco da Gama continuando a contar a história de Portugal, conta que os exércitos cristãos, não temendo os grandes números do exército mouro, avança rumo ao combate.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Assim o pérfido mouro despreza o poder dos cristãos, não entendendo que eles têm o apoio da Alta Fortaleza, esta que rende até o horrível inferno. Com o apoio dela o rei de Castela investe contra as forças do rei do Marrocos, enquanto o rei de Portugal, que nada teme, investe contra as força do rei de Granada.”
CANTO III – ESTROFE 113
“O capitão Vasco da Gama descreve a batalha de Salado”
Eis as lanças e espadas retiniam
Por cima dos arneses: bravo estrago!
Chamam (segundo as leis que ali seguiam),
Uns “Mafamede”, e outros “Santiago”.
Os feridos com a grita o céu feriam,
Fazendo de seu sangue bruto lago,
Onde outros meios mortos se afogavam,
Quando do ferro as vidas escapavam.
“Eis as lanças e espadas retiniam por cima dos arneses: bravo estrago! Chamam (segundo as leis que ali seguiam), uns “Mafamede”, e outros “Santiago”. Os feridos com a grita o céu feriam, fazendo de seu sangue bruto lago, onde outros meios mortos se afogavam, quando do ferro as vidas escapavam. (1)”
(1) As lanças e espadas retiniam sobre as armaduras dos guerreiros, causando grave estrago. Enquanto lutam, eles invocam nomes das suas religiões, com os mouros chamando Maomé, enquanto os cristãos espanhóis chamam Santiago. Os gritos dos feridos evocam tão alto que feriam o céu, e o seu sangue criavam um enorme lago, onde os moribundos, que tinham escapado do golpe final do ferro, terminavam se afogando. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, narra o quão intensa e sanguenta foi a batalha de Salado. Santiago é um dos doze apóstolos de Jesus Cristo e padroeiro da Espanha.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“As lanças e espadas retiniam sobre as armaduras dos guerreiros, causando grave estrago. Enquanto lutam, eles invocam nomes das suas religiões, com os mouros chamando Maomé, enquanto os cristãos espanhóis chamam Santiago. Os gritos dos feridos evocam tão alto que feriam o céu, e o seu sangue criavam um enorme lago, onde os moribundos, que tinham escapado do golpe final do ferro, terminavam se afogando.”
CANTO III – ESTROFE 114
“O capitão Vasco da Gama continua a descrição da batalha de Salado”
Com esforço tamanho estrui e mata
O Luso ao Granadil, que em pouco espaço
Totalmente o poder lhe desbarata,
Sem lhe valer defesa ou peito d’aço.
De alcançar tal vitória tão barata,
Inda não bem contente o forte braço
Vai ajudar o bravo Castelhano,
Que pelejando está co’o Mauritano.
“Com esforço tamanho estrui e mata o Luso ao Granadil, que em pouco espaço totalmente o poder lhe desbarata, sem lhe valer defesa ou peito d’aço. De alcançar tal vitória tão barata, inda não bem contente o forte braço vai ajudar o bravo Castelhano, que pelejando está co’o Mauritano. (1)”
(1) O rei de Portugal, com seu grande esforço, destrói e mata o rei de Granada e, em pouco tempo, acaba com o poder do seu exército, não deixando nenhuma defesa ou armadura. Após conseguir vencer o adversário sem ter grandes perdas, o monarca português vai em auxílio do exército do bravo rei de Castela, este que ainda está lutando contra o exército do rei mouro de Marrocos. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta o exército de Portugal vence o exército de Granada e, após a vitória, segue para ajudar o exército de Castela na luta contra o exército do Marrocos.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O rei de Portugal, com seu grande esforço, destrói e mata o rei de Granada e, em pouco tempo, acaba com o poder do seu exército, não deixando nenhuma defesa ou armadura. Após conseguir vencer o adversário sem ter grandes perdas, o monarca português vai em auxílio do exército do bravo rei de Castela, este que ainda está lutando contra o exército do rei mouro de Marrocos.”
CANTO III – ESTROFE 115
“O capitão Vasco da Gama termina a descrição da batalha de Salado, com os cristão de Portugal e de Castela vencendo os invasores mouros.”
Já se ia o Sol ardente recolhendo
Para a casa de Tétis, e inclinado
Para o Poente, o Véspero trazendo,
Estava o claro dia memorando,
Quando o poder do Mouro grande e horrendo
Foi pelos fortes reis desbaratado
Com tanta mortandade, que a memória
Nunca no mundo viu tão grã vitória.
“Já se ia o Sol ardente recolhendo para a casa de Tétis, e inclinado para o Poente, o Véspero trazendo, estava o claro dia memorando, quando o poder do Mouro grande e horrendo foi pelos fortes reis desbaratado com tanta mortandade, que a memória nunca no mundo viu tão grã vitória. (1)”
(1) Já era fim de tarde, com o sol ardente indo descansar no horizonte quando a batalha se encerrava: o grande e poderoso exército do imperador do Marrocos foi destruído pelos reis cristão, sendo que esta batalha, de tão sangrenta, ficou marcada na história como nenhuma antes fora. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta o fim da batalha de Salado, com os reis cristãos de Portugal e Castela vencendo o exército mouro invasor.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Já era fim de tarde, com o sol ardente indo descansar no horizonte quando a batalha se encerrava: o grande e poderoso exército do imperador do Marrocos foi destruído pelos reis cristão, sendo que esta batalha, de tão sangrenta, ficou marcada na história como nenhuma antes fora.”
CANTO III – ESTROFE 116
“O capitão Vasco da Gama diz que a batalha teve tantos mortos que até superou os grandes combates realizados no passado”
Não matou a quarta parte o forte Mário
Dos que morreram neste vencimento,
Quando as águas co’o sangue do adversário
Fez beber ao exército sedento;
Nem o Peno, asperíssimo contrário
Do romano poder do nascimento,
Quando tantos matou da ilustre Roma,
Que alqueires três anéis dos mortos toma.
“Não matou a quarta parte o forte Mário dos que morreram neste vencimento, quando as águas co’o sangue do adversário fez beber ao exército sedento; nem o Peno, asperíssimo contrário do romano poder do nascimento, quando tantos matou da ilustre Roma, que alqueires três anéis dos mortos toma. (1)”
(1) O grande general romano Caio Mário, mesmo lutando uma batalha que, de tão sangrenta, seu exército depois precisou bebeu água de um rio vermelho de sangue, ainda assim não se compara ao número de mortos na batalha de Salado. O general cartaginense Aníbal, mesmo sendo, desde nascença, inimigo dos romanos e tendo vencido tantos que foi possível pilhar três alqueires de corpos inimigos, ainda assim não derrubou tantos inimigos como os reis de Portugal e de Castela. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, conta que o número de inimigos derrotados era tamanho que superava os grandes feitos de generais do passado.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O grande general romano Caio Mário, mesmo lutando uma batalha que, de tão sangrenta, seu exército depois precisou bebeu água de um rio vermelho de sangue, ainda assim não se compara ao número de mortos na batalha de Salado. O general cartaginense Aníbal, mesmo sendo, desde nascença, inimigo dos romanos e tendo vencido tantos que foi possível pilhar três alqueires de corpos inimigos, ainda assim não derrubou tantos inimigos como os reis de Portugal e de Castela.”
CANTO III – ESTROFE 117
“O capitão Vasco da Gama diz que a batalha de Salado teve mais mortos do que invasão de Jerusalém feita pelo imperador romano Tito”
E se tu tantas almas só pudeste
Mandar ao reino escuro de Cocito,
Quando a santa cidade desfizeste
Do povo pertinaz ao antigo rito,
Permissão e vingança foi celeste,
E não força do braço, ó nobre Tito;
Que assim dos vates foi profetizado,
E depois por Jesu certificado.
“E se tu tantas almas só pudeste mandar ao reino escuro de Cocito, quando a santa cidade desfizeste do povo pertinaz ao antigo rito, permissão e vingança foi celeste, e não força do braço, ó nobre Tito; que assim dos vates foi profetizado, e depois por Jesu certificado. (1)”
(1) E se tu, ó nobre imperador Tito, pudesse mandar ao escuro reino de Cocito, o reino da morte as almas dos hebreus que quando conquistou a santa cidade de Jerusalém; isto que não seria uma execução, mas sim uma vingança permitida pelos céus, já que foi profetizado e depois confirmado por Jesus Cristo. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, continuando a contar a história de Portugal, comenta que número de mortos da batalha de Salado foi tamanho que superava o número de hebreus mortos quando o imperador romano Tito dominou Jerusalém.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E se tu, ó nobre imperador Tito, pudesse mandar ao escuro reino de Cocito, o reino da morte as almas dos hebreus que quando conquistou a santa cidade de Jerusalém; isto que não seria uma execução, mas sim uma vingança permitida pelos céus, já que foi profetizado e depois confirmado por Jesus Cristo.”
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Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume I
Obra completa de Camões com notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre, sendo a melhor edição para quem busca compreender todos os detalhes deste grande épico.
Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume II
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Esses foram os nossos comentários sobre a nonagésima nona até a centésima décima sétima estrofe do terceiro canto de Os Lusíadas, onde Camões canta as situações que levaram o reino de Portugal, sob o comando do rei Afonso IV, a participar da batalha de Salado.
Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.