Neste nosso décimo comentário sobre Os Lusíadas, continuaremos lendo o primeiro canto da obra, onde Camões canta o ódio de Baco contra os portugueses e a visita dele ao regente de Moçambique para impedir a chegada da frota lusitana às terras do Oriente.

CANTO I – ESTROFE 73
Do claro assento etéreo o grão tebano,
Que da paternal coxa foi nascido,
Olhando o ajuntamento lusitano
Ao mouro ser molesto e aborrecido,
No pensamento cuida um falso engano,
Com que seja de todo destruído.
E enquanto isso só na alma imaginava,
Consigo estas palavras praticava:
“Do claro assento etéreo o grão tebano, que da paternal coxa foi nascido, olhando o ajuntamento lusitano ao mouro ser molesto e aborrecido, no pensamento cuida um falso engano, com que seja de todo destruído (1). E enquanto isso só na alma imaginava, consigo estas palavras praticava (2)”
(1) Enquanto isso, o deus Baco, o grão tebano que nasceu da coxa de seu pai¹, observava a viagem dos portugueses no seu assento etéreo nos céus. Ao ver que o regente de Moçambique está irado (aborrecido) com os marinheiros portugueses, começa a pensar numa armadilha (falso engano) para destruí-los.
(2) Enquanto elaborava em sua mente este maléfico plano, o deus do vinho falava sozinho estas palavras (continua na próxima estrofe).
“De seu claro assento etéreo, Baco olhava o ajuntamento lusitano que aborrecida o regente mouro e, com isso, pensava cuidadosamente um falso engano para que sejam eles todos destruídos. E enquanto imaginava isso em sua alma, falou consigo estas palavras:”
¹ Baco é chamado de tebano porque sua mãe, Semele, era da cidade de Tebas. Nascido da coxa paternal é uma referência à mitologia que conta o nascimento de Baco, onde diz que Júpiter, querendo matar Semele grávida e, ao mesmo tempo poupar a vida da criança, decide colocar o feto em sua própria coxa até que gestação se complete.
CANTO I – ESTROFE 74
“Está do Fado já determinado
Que tamanhas vitórias, tão famosas
Hajam os portugueses alcançado
Das indianas gentes belicosas.
E eu só, do filho Padre sublimado,
Com tantas qualidades generosas,
Hei-de sofrer que o Fado favoreça
Outrem, porque meu nome se escureça?
“Está do Fado já determinado que tamanhas vitórias, tão famosas hajam os portugueses alcançado das indianas gentes belicosas (1). E eu só, do filho Padre sublimado, com tantas qualidades generosas, hei-de sofrer que o Fado favoreça outrem, porque meu nome se escureça? (2)”
(1) Baco diz que o Destino (Fado) já determinou que os portugueses realizarão feitos grandiosos e se consagrarão em famosas batalhas ao lutarem contra os povos guerreiros (belicosos) da Índia.
(2) Já que é o filho do sublime Júpiter (Padre) e um deus que possua tantas qualidades, Baco questiona se se o seu nome deve ser esquecido enquanto o Destino favorece os portugueses.
“Já está determinado pelo Destino que os portugueses alcançaram grandes feitos e famosas vitórias contra as belicosas gentes indianas. E eu, filho do sublime Júpiter, que possuo tantas qualidades generosas, hei-de sofrer o esquecimento de meu nome enquanto o Destino favoreça outrem?”
CANTO I – ESTROFE 75
“Já quiseram os deuses que tivesse
O filho de Felipe nesta parte
Tanto poder, que tudo sometesse
Debaixo do seu jugo o fero Marte.
Mas há-se de sofrer que o Fado desse
A tão poucos tamanhos esforço e arte,
Que eu c’o grão macedônio, e o romano,
Demos lugar ao nome lusitano?
“Já quiseram os deuses que tivesse o filho de Felipe nesta parte tanto poder, que tudo sometesse debaixo do seu jugo o fero Marte (1). Mas há-se de sofrer que o Fado desse a tão poucos tamanhos esforço e arte, que eu c’o grão macedônio, e o romano, demos lugar ao nome lusitano? (2)”
(1) Diz que os deuses já quiseram que Alexandre Magno, o filho do rei Filipe II, tivesse tanto poder na região oriental do mundo que até o feroz Marte se submeteu ao seu jugo.
(2) questiona se é certo que o Destino desse esforço e talento (arte) a tão poucos homens¹ e, assim, fazendo com ele (Baco), Alexandre Magno da Macedônia e Imperador Trajano de Roma² tivessem a sua glória sobrepujada.
“Já foi um desejo que o Grande Alexandre, filho do rei Filipe II, tivesse tanto poder nas terras do Oriente que até o deus Marte submetesse tudo ao seu jugo. Mas é certo que Baco, Alexandre e Trajano sofram com vendo a fama de seus feitos serem sobrepujadas pelas glórias lusitanas?
¹Tão poucos homens é uma referência que Camões faz ao pequeno número de soldados portugueses que, ao longo da história de Portugal, sempre lutaram e venceram exércitos muito maiores.
²Camões diz romano para se referir a Trajo Cesar, Imperador de Roma que, assim como Baco e Alexandre Magno, conquistou e se consagrou lutando no Oriente.
CANTO I – ESTROFE 76
“Não será assim, porque antes que chegado
Seja este capitão, astutamente
Lhe será tanto engano fabricado,
Que nunca veja as partes do Oriente.
Eu descerei à Terra e o indignado
Peito revolverei da maura gente;
Porque sempre por via irá direita
Quem do oportuno tempo se aproveita.”
“Não será assim, porque antes que chegado seja este capitão, astutamente lhe será tanto engano fabricado, que nunca veja as partes do Oriente (1). Eu descerei à Terra e o indignado peito revolverei da maura gente; porque sempre por via irá direita quem do oportuno tempo se aproveita. (2)”
(1) Diz que não aceitará que seu nome seja esquecido. Baco preparará uma armadilha contra os portugueses, impedindo o capitão Vasco da Gama e sua frota de alcançar as terras do Oriente.
(2) pretende descer à Terra e envenenar o coração dos mouros contra portugueses, aproveitando que eles já odiosos com os marinheiros visitantes.
“Não será assim, porque antes que esse capitão chegue à Índia, lhe será fabricado tal engano que ele nunca verá as terras do Oriente. Eu descerei à Terra e revolverei o indignado peito da gente moura, porque quem se aproveita da oportunidade consegue seus fins.”
CANTO I – ESTROFE 77
Dizendo isto, irado e quase insano,
Sobre a terra africana descendeu,
Onde vestindo a forma e gesto humano,
Para o Prasso sabido se moveu.
E por melhor tecer o astuto engano,
No gesto natural de converteu
Dum Mouro, em Moçambique conhecido,
Velho, sábio, e c’o Xeque mui valido.
“Dizendo isto, irado e quase insano, sobre a terra africana descendeu, onde vestindo a forma e gesto humano, para o Prasso sabido se moveu (1). E por melhor tecer o astuto engano, no gesto natural de converteu dum Mouro, em Moçambique conhecido, velho, sábio, e c’o Xeque mui valido. (2)”
(1) Após dizer essas palavras, Baco, que já estava irado e quase louco, desce de seus aposentos celestes numa forma humana e vai até as conhecidas terras africanas de Moçambique (Prasso).
(2) E para ser o mais bem-sucedido em seu plano contra os portugueses, ele se disfarça na forma de um conhecido e sábio mouro de Moçambique, mouro este que é muito conhecido pelo xeique¹ de Moçambique.
“Dizendo isto, Baco, que estava irado e quase insano, desceu sobre a terra africana com forma humana e seguiu para a conhecida Moçambique. E para melhor realizar seu astuto engano, adotou a aparência de um conhecido e sábio mouro de Moçambique que era muito próximo do Xeique.”
¹Xeque ou xeique é o nome que os muçulmanos dão à uma autoridade política.
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Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume I
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Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume II
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Esses foram os nossos comentários sobre a septuagésima terceira até a septuagésima sétima estrofe do primeiro canto de Os Lusíadas, onde Camões canta o ódio de Baco contra os portugueses e a visita dele ao regente de Moçambique para impedir a chegada da frota lusitana às terras do Oriente.
Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.