Neste nosso décimo segundo comentário sobre Os Lusíadas, continuaremos lendo o primeiro canto da obra, onde Camões canta a tentativa que os mouros de Moçambique fizeram para pegar os portugueses numa emboscada.

CANTO I – ESTROFE 84
Já o raio apolíneo visitava
Os Montes Nabateios acendidos,
Quando Gama, c’os seus determinava
De vir por água a terra apercebido.
A gente nos batéis se concertava,
Como se fosse o engano já sabido:
Mas pôde suspeitar-se facilmente,
Que o coração pressago nunca mente.
“Já o raio apolíneo visitava os Montes Nabateios acendidos, quando Gama, c’os seus determinava de vir por água a terra apercebido. (1) A gente nos batéis se concertava, como se fosse o engano já sabido: mas pôde suspeitar-se facilmente, que o coração pressago nunca mente. (2)”
(1) Logo de manhã, quando os raios do Sol (Apolo) tocavam os Montes Nabateios¹, o capitão Vasco da Gama foi em terra buscar mantimentos.
(2) Os homens portugueses já estavam preparados nos botes (batéis), como se já soubessem da armadilha que estava preparada, armadilha esta que era bem previsível, pois os presságios do coração nunca mentem.
“Os raios brilhantes de Apolo já visitavam os Montes Nabateios quando o capitão Vasco da Gama chega à terra. Os marinheiros se concentravam nos botes, como se já soubessem da armadilha, embora pode-se facilmente suspeitar, já que pressagio do coração nunca erra”
¹Montes Nabateios são montes localizados onde hoje é fica o Libano.
CANTO I – ESTROFE 85
E mais também mandado tinha a terra,
De antes, pelo piloto necessário,
E foi-lhe respondido em som de guerra,
Caso do que cuidava em mui contrário;
Por isto, e porque sabe quanto erra
Quem se crê de seu pérfido adversário
Apercebido vai como podia,
Em três batéis somente que trazia.
“E mais também mandado tinha a terra, de antes, pelo piloto necessário, e foi-lhe respondido em som de guerra, caso do que cuidava em mui contrário; (1) por isto, e porque sabe quanto erra quem se crê de seu pérfido adversário apercebido vai como podia, em três batéis somente que trazia. (2)”
(1) Vasco da Gama tinha mandado à terra alguns marinheiros no dia anterior para procurar um piloto para guia-los e, ao saber que seus homens foram recebidos como inimigos (som de guerra), ficou claro que a situação em Moçambique não era o que ele imaginava.
(2) por causa disto, e por saber o quão imprudente seria confiar em seu adversário, Vasco da Gama leva três botes de homens consigo.
“Porque antes, ao mandar os portugueses buscarem um piloto em terra, estes foram recebidos em som de guerra como inimigos, mostrando que a situação não era o que aparentava. Por isso, sabendo que seria um erro confiar nestes adversários, ele foi acompanhado de três canoas.
CANTO I – ESTROFE 86
Mas os mouros que andavam pela praia,
Por lhe defender a água desejada,
Um de escudo embraçado e de azagaia,
Outro de arco encurvado e seta ervada,
Esperam que a guerreira gente saia,
Outros muitos já postos em cilada.
E, porque o caso leve se lhe faça,
Põem uns poucos diante por negaça.
“Mas os mouros que andavam pela praia, por lhe defender a água desejada, um de escudo embraçado e de azagaia, outro de arco encurvado e seta ervada, esperam que a guerreira gente saia, outros muitos já postos em cilada (1). E, porque o caso leve se lhe faça, põem uns poucos diante por negaça (2).”
(1) Como não queriam que os portugueses abastecessem suas embarcações, os mouros os aguardavam na praia para a emboscada, sendo que um deles carregava um escudo e uma azagaia¹ e outro um arco curvo com flechas envenenadas (ervada).
(2) E, para que a armadilha não fosse percebida pelos portugueses, os mouros colocavam alguns dos seus para os distrair, desempenhando a função de negaça².
“Como queriam proteger a água desejada pelos portugueses, os mouros os aguardavam na praia para a emboscada, onde um estava armado com escudo e azagaia, enquanto outro carregava um arco curvo com flechas envenenadas; além de outros tantos já estavam a postos para a cilada. Como não queriam que os portugueses percebessem a armadilha, deixavam alguns dos seus a frente como negaça.”
¹Azagaia é uma lança de arremesso.
²Negaça é uma ave falsa que é utilizada para chamar a atenção das outras.
CANTO I – ESTROFE 87
Andam pela ribeira alva, arenosa,
Os belicosos mouros acenando
Com a adarga e c’o a hástia perigosa,
Os fortes portugueses incitando.
Não sofre muito a gente generosa
Andar-lhe os cães os dentes amostrando.
Qualquer em terra salta tão ligeiro,
Que nenhum dizer pode que é primeiro.
“Andam pela ribeira alva, arenosa, os belicosos mouros acenando com a adarga e c’o a hástia perigosa, os fortes portugueses incitando. Não sofre muito a gente generosa andar-lhe os cães os dentes amostrando (1). Qualquer em terra salta tão ligeiro, que nenhum dizer pode que é primeiro. (2)”
(1) Os belicosos mouros andavam pela praia branca (alva arenosa) acenando com seus escudos (adarga) e com as perigosas lanças (hástia), querendo assim incitar os fortes portugueses, estes que nada sofrem ao verem meros cães mostrando os dentes.
(2) Os portugueses então saltam rapidamente dos botes para a terra, não sendo possível nenhum deles afirmar que foi o primeiro a pisar na praia.
“Os belicosos mouros, andando pela alva e arenosa praia, acenam com suas adargas e hástias querendo incitando os fortes portugueses. Mas eles, que não sentem nada ao verem cães mostrando os dentes, saltam em terra tão rápido que nenhum deles pode dizer qual foi o primeiro.”
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Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume I
Obra completa de Camões com notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre, sendo a melhor edição para quem busca compreender todos os detalhes deste grande épico.

Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume II
Obra completa de Camões com notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre, sendo a melhor edição para quem busca compreender todos os detalhes deste grande épico.
Esses foram os nossos comentários sobre a octogésima quarta até a octogésima sétima estrofe do primeiro canto de Os Lusíadas, onde Camões canta a tentativa que os mouros de Moçambique fizeram para pegar os portugueses numa emboscada.
Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.