Neste nosso décimo terceiro comentário sobre Os Lusíadas, continuaremos lendo o primeiro canto da obra, onde Camões canta a luta entre os portugueses e os mouros que aconteceu nas praias de Moçambique.

LUSÍADAS A LUTA CONTRA OS MOUROS DE MOÇAMBIQUE
A luta contra os mouros de Moçambique

CANTO I – ESTROFE 88

 

Qual no corro sanguino o ledo amante

Vendo a fermosa dama desejada,

O touro busca, e pondo-se diante,

Salta, corre sibila, acena, e brada,

Mas o animal atroce, neste instante,

Com fronte cornígera inclinada,

Bramando duro corre e os olhos cerra,

Derriba, fere, e mata, e põe por terra:

 

“Qual no corro sanguino o ledo amante vendo a fermosa dama desejada, o touro busca, e pondo-se diante, salta, corre sibila, acena, e brada, (1) mas o animal atroce, neste instante, com fronte cornígera inclinada, bramando duro corre e os olhos cerra, derriba, fere, e mata, e põe por terra (2).”

(1) Ao narrar o combate, Camões compara os mouros com um amante excitado que, ao ver sua formosa e desejada amante, investe adiante como um touro que avança, salta, corre e grita numa arena (corro).

(2) Os portugueses, por outro lado, são como uma fera atroz que inclina os chifres da sua cabeça (fronte cornígera) e atravessa os seus adversários com os olhos fechados, os derrubando e jogando os seus corpos mortos no chão.

 

“Ao lutarem, os mouros são como um amante que, ao ver sua a desejada dama, avança como um touro, saltando, correndo e gritando num corro. Os portugueses são como um animal atroz que inclina seus chifres e atravessa e joga os corpos mortos dos adversários no solo.”

CANTO I – ESTROFE 89

 

Eis nos batéis o fogo se levanta

Na furiosa e dura artilharia,

A plúmbea pela mata, o brado espanta,

Ferido o ar retumba e assovia:

O coração dos mouros se quebranta,

O temor grande o sangue lhe resfria.

Já fode o escondido de medroso,

E morre o descoberto aventuroso.

 

“Eis nos batéis o fogo se levanta na furiosa e dura artilharia, a plúmbea pela mata, o brado espanta, ferido o ar retumba e assovia (1): o coração dos mouros se quebranta, o temor grande o sangue lhe resfria. Já fode o escondido de medroso, e morre o descoberto aventuroso (2).”

(1) Eis que nos botes que estavam na praia se levanta os homens da dura e furiosa artilharia portuguesas, dando tiros de chumbo (plúmbeo) que matam os mouros. O estrondo das armas é forte, feriando o ar e ressoando como um assovio.

(2) com essa demonstração de força dos portugueses, o ânimo dos mouros de Moçambique é quebrado, ficando o seu sangue frio por causa do temor. Com isso, os medrosos fogem e tentam se esconder, enquanto os demais que ousam se aventurar contra os portugueses acabam todos mortos.

 

“Dos botes portugueses vem a furiosa e dura artilharia, matando os mouros com plúmbeo, espantando os demais com brado e ressoando o ar com o seu estrondo. Com essa investida, a coragem dos mouros fica abalada, estando seu sangue frio por causa do temor. Já fossem e se escondendo os mais medrosos, enquanto morrem os que ficaram para se aventurar.”

CANTO I – ESTROFE 90

 

Não se contenta a gente portuguesa,

Mas seguindo a vitória estruí e mata;

A povoação sem muro e sem defesa,

Esbombardeia, acende e desbarata.

Da cavalgada ao moro já lhe pesa,

Que bem cuidou compra-la mais barata;

Já blasfema da guerra, e maldizia,

O velho inerte, e mãe que o filho cria.

 

“Não se contenta a gente portuguesa, mas seguindo a vitória estruí e mata; a povoação sem muro e sem defesa, esbombardeia, acende e desbarata (1). Da cavalgada ao moro já lhe pesa, que bem cuidou compra-la mais barata; já blasfema da guerra, e maldizia, o velho inerte, e mãe que o filho cria. (2)

(1) Não se contentando em matar os mouros que os desafiaram, os portugueses continuam sua vitória matando e destruindo os que ainda estão vivos. A população de Moçambique, como não tem muralhas ou algum tipo de defesa, acaba sendo bombardeada, queimada e destruída.

(2) Vendo sua derrota, o arrependimento pesa sobre os mouros, pois não imaginavam que a emboscada contra os portugueses sairia tão caro. Os velhos e as mulheres, vendo o que aconteceu, blasfemam contra o conflito.

 

“A gente portuguesa não se contenta com a vitória e continua destruindo e matando a povoação que, sem muros e nenhuma defesa, sofre sendo bombardeada, queimada e destroçada. Vendo o quão caro foi a armadilha, pesa o arrependimento aos mouros, que veem os velhos e as mulheres blasfemarem contra o conflito.”   

CANTO I – ESTROFE 91

 

Fugindo, a seta o mouro vai tirando

Sem força, de covarde e de apressado,

A pedra, o pau o canto arremessado;

Dá-lhe armas o furor desatinado.

Já a ilha e todo o mais desamparando,

À terra firme foge amendrontado;

Passa e corta do mar o estreito braço,

Que a ilha em torno cerca, em pouco espaço.

 

“Fugindo, a seta o mouro vai tirando sem força, de covarde e de apressado, a pedra, o pau o canto arremessado; dá-lhe armas o furor desatinado (1). Já a ilha e todo o mais desamparando, à terra firme foge amedrontado; passa e corta do mar o estreito braço, que a ilha em torno cerca, em pouco espaço (2).”

(1) Sem força para lutar e estando com medo dos portugueses, os mouros covardes fogem apressados atirando flechas, pedras (canto) e pedregulhos, pois essas são as armas que conseguiram na sua fúria descontrolada.

(2) Estando totalmente desamparados, os mouros fogem com medo da ilha, cortando a nado o mar que contorna Moçambique.

 

“Os mouros, que estão sem força por causa da covardia e da pressa, fogem atirando flechas e arremessando pedras, paus e pedregulhos – sendo estas as armas que conseguem. Estando a ilha e tudo mais perdido, fogem da terra amedrontados, cortando o estreito mar que os cerca com os braços.”

CANTO I – ESTROFE 92

 

Uns vão nas almadias carregadas,

Um corta o mar a nado diligente,

Quem se afoga nas ondas encurvadas,

Quem bebe o mar e o deita juntamente.

Arrombam as miúdas bombardadas

Os pangaios sutis da bruta gente.

Destarte o português enfim castiga

A vil malícia, pérfida, inimiga.

 

“Uns vão nas almadias carregadas, um corta o mar a nado diligente, quem se afoga nas ondas encurvadas, quem bebe o mar e o deita juntamente. (1) Arrombam as miúdas bombardadas os pangaios sutis da bruta gente. Destarte o português enfim castiga a vil malícia, pérfida, inimiga. (2)

(1) Dos mouros que fogem dos portugueses em direção ao mar, uns lotam as canoas (almadias), enquanto outros cortam o mar nadando com pressa, sendo que há quem se afogue nas ondas encurvadas e quem bebe e vomita a água do mar.

(2) Os portugueses destroem as fracas embarcações (pangaios) dos mouros bárbaros com as suas pequenas bombardas, sendo está a forma como eles castigam os inimigos por sua armadilha.

 

“Uns mouros tentam fugir em embarcações carregadas de gente, outros cortam o mar apressadamente; há quem se afogue tentando passar pelas ondas encurvadas, enquanto outro engole muita água e caba vomitando. Os portugueses arrombam as frágeis embarcações com as repetições das bombardas, sendo este o castigo que dão aos mouros por sua vil e pérfida malícia.”

CANTO I – ESTROFE 93

 

Tornam vitoriosos para a armada,

C’o despojo da guerra e rica presa,

E vão ao seu prazer fazer aguada,

Sem achar resistência nem defesa.

Ficava a maura gente magoada,

No ódio antigo mais que nunca acesa;

E vendo sem vingança tanto dano,

Somente escriba no segundo engano.

 

“Tornam vitoriosos para a armada, c’o despojo da guerra e rica presa, e vão ao seu prazer fazer aguada, sem achar resistência nem defesa. (1) Ficava a maura gente magoada, no ódio antigo mais que nunca acesa; e vendo sem vingança tanto dano, somente escriba no segundo engano. (2)

(1) Após sua vitória sobre os mouros, os portugueses retornam para a armada lusitana carregando os saques da batalha (desposo da guerra) e prisioneiros valiosos (rica presa), sendo que agora podem se abastecer sem nenhum incômodo.

(2) Os mouros sentem a dor da derrota, sendo que o antigo ódio que os muçulmanos nutriam contra os cristãos está mais vivo do que nunca. Como não conseguiram destruir os portugueses nesta armadilha, só conseguem depositar suas esperanças na próxima armadilha (sabotagem do piloto guia).

 

“Os portugueses retornam vitoriosos para a armada carregando os despojos da e abastecendo-as sem nenhum incômodo ou resistência. Os mouros sofrem com a derrota, ficando o antigo ódio mais aceso do que nunca. E, vendo eles que com todo o dano que sofreram eles não obtiveram vingança alguma, somente acreditam na próxima armadilha.”

 

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Esses foram os nossos comentários sobre a octogésima oitava até a nonagésima terceira estrofe do primeiro canto de Os Lusíadas, onde Camões canta a luta entre os portugueses e os mouros que aconteceu nas praias de Moçambique.

Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.

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