Neste nosso décimo sexto comentário sobre Os Lusíadas, começaremos a ler o segundo canto da obra, onde Camões canta a armadilha preparada por Baco e pelos mouros de Mombaça contra os lusíadas.
“Anoitece quando os lusíadas recebiam em suas naus os mensageiros mouros de Mombaça”
Já neste tempo o lúcido planeta,
Que as horas vai do dia distinguindo,
Chegava à desejada e lenta meta,
A luz celeste às gentes encobrindo,
E da casa marítima secreta
Lhe estava o deus noturno a porta abrindo,
Quando as infidas gentes se chegaram
Às naus, que pouco havia que ancoraram.
“Já neste tempo o lúcido planeta, que as horas vai do dia distinguindo, chegava à desejada e lenta meta, a luz celeste às gentes encobrindo, (1) e da casa marítima secreta lhe estava o deus noturno a porta abrindo, quando as infidas gentes se chegaram às naus, que pouco havia que ancoraram. (2)”
(1) Já neste tempo o lúcido Sol, que distingue as horas do dia, chegava à desejada e lenta meta e encobrindo a luz celeste às gentes. Camões canta que o, quando as naus dos lusíadas chegaram em Mombaça e elas receberam vindos da terra os mensageiros do rei local, o Sol estava se pondo, com seus raios deixando de iluminar a face da terra. Lúcido planeta que as horas do dia vai distinguindo é uma referência ao Sol; Desejada e lenta meta significa que o sol está se pondo e “descansando no oceano, sendo uma referência ao desejo de Apolo, deus do Sol, de se encontrar com Tétis, uma das nereiades filhas do deus do mar.
(2) E da sua casa marítima secreta abria a porta o deus noturno, quando os mouros de Mombaça chegavam até as naus dos lusíadas que acabaram de ancorar na ilha. Camões canta que Érebo, deus das trevas, trocava de lugar com Apolo, sendo assim o anoitecer, momento que os mouros de Mombaça chegavam até as naus dos lusíadas. Casa Marítima secreta o local onde Érebo fica quando está de dia, saindo apenas quando Apolo vai descansar.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Quando os mouros de Mombaça chegaram até as naus dos lusíadas, o lúcido Sol, que as horas do dia distingue, chegava à deseja e lenta meta, escondendo a luz que ilumina a todos e troca de lugar com Ébero, este que abria as portas da sua casa marítima secreta para trocar de lugar com Apolo.”
CANTO II – ESTROFE 2
“Um mensageiro mouro transmite os falsos cumprimentos do rei de Mombaça ao capitão Vasco da Gama”
Dentre ele um, que traz encomendado
O mortífero engano, assi dizia:
“Capitão valeroso, que cortado
Tens de Netuno reino e salsa via,
O rei que manda esta ilha, alvoroçado
Da vinda tua, tem tanta alegria,
Que não deseja mais que agasalhar-te,
Ver-te, e do necessário reformar-te.
“Dentre eles um, que traz encomendado o mortífero engano, assi dizia: “Capitão valeroso, que cortado tens de Netuno reino e salsa via, o rei que manda esta ilha, alvoroçado da vinda tua, tem tanta alegria, que não deseja mais que agasalhar-te, ver-te, e do necessário reformar-te. (1)”
(1) Dente os que chegam as naus dos lusíadas, um dos mouros fala começa a pérfida mentira: “Bravo capitão, que cortado tens o reino de Neturno e a salsa via, o rei que governa está ilha está ansioso com a sua chegada; tamanha é sua alegria que ele apenas deseja receber-te carinhosamente, conhecer você melhor e fornecer qualquer mantimento que sua frota precisar. Camões canta que, dos que vieram de Mombaça aos navios dos lusíadas, um dos mouros começa a preparar a armadilha sugerida por Baco e dizendo ao capitão Vasco da Gama que o rei que governa Mombaça está muito contente com a chegada dos lusíadas, desejando apenas conhece-los e auxilia-los em sua jornada. Netuno é o deus dos mares, sendo as águas o seu domínio; Salsa via é uma referência a rastro que os barcos deixam quando corta as águas, no caso, o rastro deixado no mar salgado.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Dentre os mouros, um transmite a seguinte mensagem enganosa: “Bravo capitão, que atravessou os mares de Netuno deixando a via salgada para trás, o nosso rei está alvoroçado com a chegada da sua frota; tamanha é sua alegria, não desejando nada mais que receber-te, ver-te e auxiliar-te no que for necessário.”
CANTO II – ESTROFE 3
“O mensageiro mouro tenta convencer o capitão Vasco da Gama a atracar no porto de Mombaça para que os lusíadas descansem”
“E porque está em extremo desejoso
De te ver, como cousa nomeada,
Te roga que, de nada receoso,
Entre na barra, tu com tua armada:
E porque do caminho trabalhoso
Trarás a gente débil e cansada,
Diz que na terra pode reforma-la,
Que a natureza obriga a deseja-la.
“E porque está em extremo desejoso de te ver, como cousa nomeada, te roga que, de nada receoso, entre na barra, tu com tua armada: (1) e porque do caminho trabalhoso trarás a gente débil e cansada, diz que na terra pode reforma-la, que a natureza obriga a deseja-la. (2)”
(1) E porque o rei deseja extremamente te conhecer, capitão, por já ser tão conhecido, pede que entre tu com tua armada frota na barra da ilha. Camões continua cantando a fala mentirosa do mouro, este que diz que o rei de Mombaça deseja muito conhecer o capitão Vasco da Gama e os lusíadas, uma vez que seus nomes já são conhecidos na ilha; e pede para que entre com a frota na barra da ilha. Barra é um termo náutico que se refere aos obstáculos que existe na entrada de um porto.
(2) E porque a gente portuguesa já passou está debilitada e cansada por ter feito um caminho tão trabalhoso até agora em sua jornada, sendo melhor que descansem todos em terra, onde é lugar de todo homem. Camões canta que o mensageiro mouro de Mombaça, tentado trazer os lusíadas para sua armadilha, diz ao capitão Vasco da Gama que ele e sua frota estão muito cansados por causa da viagem, sendo mais recomendados todos vierem à terra para recuperar suas forças.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E, como o vosso nome já é falado por aqui, regente de Mombaça deseja muito conhece-lo, ele que pede para que entre sem nenhum receio com a frota na barra da ilha, porque o caminho que a gente portuguesa vem fazendo é muito cansativo, sendo melhor que venham todos à terra para descansar, além do que é da natureza do homem querer voltar à terra.”
CANTO II – ESTROFE 4
“O mensageiro mouro diz ao capitão Vasco da Gama que Mombaça possui quaisquer bens valiosos que eles possam desejar”
“E se buscando vás mercadoria
Que produze o aurífero Levante,
Canela, cravo, ardente especiaria,
Ou droga salutífera e prestante;
Ou se queres luzente pedraria,
O rubi fino, o rígido diamante,
Daqui levarás tudo tão sobejo
Com que faças o fim a teu desejo.”
“E se buscando vás mercadoria que produze o aurífero Levante, canela, cravo, ardente especiaria, ou droga salutífera e prestante; (1) ou se queres luzente pedraria, o rubi fino, o rígido diamante, daqui levarás tudo tão sobejo com que faças o fim a teu desejo. (2)”
(1) E se você está buscando as mercadorias produzidas pelo aurífero Levante: canela, cravo, especiarias ardentes ou alguma droga salutífera e prestante. Camões canta que mensageiro mouro, tentando convencer os lusíadas a aportarem em Mombaça, diz que aqui eles podem encontrar as valiosas mercadorias que são produzidas no Oriente: canela, cravo, especiarias ardentes ou algum tipo de substancia farmacêutica. Aurífero significa algo que contém ouro; Levante é uma referencia ao Oriente, sendo nele que o Sol se levanta.
(2) Ou se queres pedras luminosas: o rubi fino ou o rígido diamante; aqui em Mombaça poderão encontrar em abundancia tudo o que desejam. Camões canta que o mensageiro mouro concluí sua fala ao capitão Vasco da Gama dizendo que, além de descansar e conseguir especiarias, os lusíadas também encontrarão pedras preciosas, bem como quaisquer outros bens que eles desejem.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E se estão buscando as mercadorias produzidas no Oriente, como canela, cravo, especiarias ardentes ou alguma droga salutífera e prestantes; ou também se procuram pedras preciosas como rubis e diamante, aqui em Mombaça poderão levar tudo o que for preciso para saciar os seus desejos.”
CANTO II – ESTROFE 5
“O capitão Vasco da Gama responde que não pretende atracar em Mombaça durante a noite”
Ao mensageiro o capitão responde
As palavras do rei agradecendo:
E diz que, porque o sol no mar se esconde,
Não entra pra dentro, obedecendo;
Porém que, como a luz mostrar por onde
Vá sem perigo a frota, não temendo,
Cumprirá sem receio seu mandado,
Que a mais por tal senhor está obrigado.
“Ao mensageiro o capitão responde as palavras do rei agradecendo: e diz que, porque o sol no mar se esconde, não entra pra dentro, obedecendo; (1) porém que, como a luz mostrar por onde vá sem perigo a frota, não temendo, cumprirá sem receio seu mandado, que a mais por tal senhor está obrigado. (2)”
(1) O capitão responde ao mensageiro agradecendo as palavras do rei de Mombaça e diz que não vai entrar porque está de noite. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, responde ao convite feito pelo rei de Mombaça, diz que não vai entrar com sua frota na barra da ilha e descansar em terra porque o sol já está de noite.
(2) Porém, quando a luz mostrar por onde a frota possa ir sem perigo, ele aceitará o convite do rei sem nenhum temor e com todo o respeito que ele merece. Camões canta que o capitão Vasco da Gama disse que quando amanhecer ele visitará o regente de Mombaça.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O capitão Vasco da Gama, respondendo ao convite do rei de Monarca, diz ao mensageiro que está muito agradecido pelas palavras, mas que não entrará na cidade porque o sol já se escondeu; mas, quando a luz mostrar por onde as naus possam andar sem nenhum perigo, eles visitarão o monarca sem nenhum temor, prestando todas as cortesias que ele merece.”
CANTO II – ESTROFE 6
“O capitão Vasco da Gama, querendo confirmar o que disse o piloto mouro de Moçambique, pergunta ao mensageiro se realmente existem cristãos em Mombaça”
Pergunta-lhe depois, se estão na terra
Cristãos, como o piloto lhe dizia;
O mensageiro astuto, que não erra,
Lhe diz, que a mais da gente em Cristo cria.
Desta sorte do peito lhe desterra
Toda a suspeita e cauta fantasia;
Por onde capitão seguramente
Se fia da infiel e falsa gente.
“Pergunta-lhe depois, se estão na terra cristãos, como o piloto lhe dizia; o mensageiro astuto, que não erra, lhe diz, que a mais da gente em Cristo cria. (1) Desta sorte do peito lhe desterra toda a suspeita e cauta fantasia; por onde capitão seguramente se fia da infiel e falsa gente. (2)”
(1) O capitão pergunta ao mensageiro se na terra de Mombaça existem cristãos assim como foi dito pelo piloto mouro de Moçambique; o mensageiro, que é muito esperto, diz que na cidade a maior parte das pessoas são cristãos. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, querendo ter certeza que o piloto mouro de Moçambique dizia a verdade, pergunta ao mensageiro de Mombaça se realmente existia cristão na cidade, este que, por ser muito astuto, percebe a mentira dita pelo piloto e confirma dizendo que a maioria da gente ali são cristãos.
(2) Ouvindo isso afasta-se toda a suspeita que o capitão tinha quanto à gente de Mombaça ser infiel e traiçoeira. Camões canta que, quando o capitão Vasco da Gama ouviu do mensageiro que a população de Mombaça era cristã, ele sentiu um grande alívio e perdeu a suspeita que tinha sobre eles, assim como o povo de Moçambique, serem traiçoeiros e infiéis seguidores de Maomé.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Depois o capitão Vasco da Gama pergunta ao mensageiro se, assim como disse o piloto mouro de Moçambique, a gente de Mombaça era cristã; sendo muito astuto, o mensageiro responde que sim, dizendo que a maioria ali segue a fé de Cristo; Ouvir isso deu um grande alívio ao capitão, afastando toda e qualquer suspeita que tinha sobre a possibilidade de a população local ser traiçoeira e fiel como era a população de Moçambique.”
CANTO II – ESTROFE 7
“O capitão Vasco da Gama manda alguns marinheiros condenados entrarem na cidade junto com mensageiros para confirmar se o Mombaça é realmente amigável”
E de alguns que trazia condenados
Por culpa e por feitos vergonhosos,
Porque pudessem ser aventurados
Em caso desta sorte duvidosos,
Manda dous mais sagazes, ensaiados,
Porque notem dos mouros enganosos
A cidade e poder, e porque vejam
Os Cristãos, que só tanto ver desejam;
“E de alguns que trazia condenados por culpa e por feitos vergonhosos, porque pudessem ser aventurados em caso desta sorte duvidosos, manda dous mais sagazes, ensaiados, porque notem dos mouros enganosos a cidade e poder, e porque vejam os Cristãos, que só tanto ver desejam; (1)”
(1) O capitão manda dois homens sagazes e experientes, estes foram condenados à morte por seus feitos vergonhosos, para que fossem fazer o reconhecimento e notassem a cidade e poderio dos mouros de Mombaça, assim como vissem os cristãos que o capitão tanto deseja ver. Camões canta que o capitão manda dois homens que incorporavam o grupo de condenados á morte da frota para fazer o reconhecimento da cidade, assim informariam o capitão sobre como é Mombaça e o quão poderosa ela é, assim como saber sobre os cristãos que habitam a ilha. Condenados por culpa e por feitos vergonhosos são prisioneiros com pena de morte que eram levados nas expedições para irem na frente como exploradores, assim, caso alguma coisa acontecesse, eles seriam os primeiros a sofrer qualquer dano.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E de alguns criminosos condenados que trazia na frota que serviam para se aventurar em situações mais perigosas, o capitão Vasco da Gama manda dois mais sagazes para que inspecionem a cidade de Mombaça e poderio dos mouros locais, e também para que vejam os cristãos que o capitão tanto deseja ver.”
CANTO II – ESTROFE 8
“Os marinheiros condenados que foram enviados pelo capitão Vasco da Gama são recebidos na cidade de Mombaça e apresentados ao rei”
E por estes ao rei presentes manda,
Porque a boa vontade, que mostrava,
Tenha limpa, segura, firme e branda;
A qual bem ao contrário em tudo estava.
Já a companhia pérfida e nefanda
Das naus se despedia e o mar cortava.
Foram com gestos ledos e fingidos
Os dous da frota em terras recebidos.
“E por estes ao rei presentes manda, porque a boa vontade, que mostrava, tenha limpa, segura, firme e branda; a qual bem ao contrário em tudo estava. (1) Já a companhia pérfida e nefanda das naus se despedia e o mar cortava. Foram com gestos ledos e fingidos os dous da frota em terras recebidos. (2)”
(1) E por meio estes condenados o capitão manda presentes ao rei para que tenham uma conversa limpa, seguram firme e branda; a qual, para o rei, na verdade era tudo ao contrário. Camões canta o capitão Vasco da Gama mandou ambos os condenados irem à terra para conhecer o rei de Mombaça de forma agradável, embora o rei, na verdade, deseja-se a destruição dos lusíadas.
(2) Então a pérfida companhia de mouros se despedia das naus dos portugueses e retornavam para a terra junto com os condenados, estes que foram recebidos com falsas cortesias pelo povo de Mombaça. Camões canta que a companhia de mensageiros de Mombaça foi embora das naus dos lusíadas levando os dois condenados para ilha para conhecer o rei local.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Em sinal de boa vontade o capitão manda os dois condenados para conhecer o rei de Mombaça. Assim se despedia a pérfida e nefanda companhia de mouros das naus dos lusíadas levando os dois para terra, onde eles foram recebidos em terra com falsas cortesias.”
CANTO II – ESTROFE 9
“Os dois marinheiros enviados pelo capitão Vasco da Gama percorrem a cidade de Mombaça”
E depois que ao rei apresentaram,
C’o recado, os presentes que traziam,
A cidade correram, e notaram
Muito menos daquilo que queriam;
Que os mouros cautelosos se guardaram
De lhe mostrarem tudo o que pediram:
Que onde reina a malícia, está o receio
Que a faz imaginar no peito alheio.
“E depois que ao rei apresentaram, c’o recado, os presentes que traziam, a cidade correram, e notaram muito menos daquilo que queriam; (1) que os mouros cautelosos se guardaram de lhe mostrarem tudo o que pediram: que onde reina a malícia, está o receio que a faz imaginar no peito alheio. (2)”
(1) E depois que apresentaram ao rei aos presentes e os recados que traziam, correram para a cidade, notando muito menos do que queriam. Camões canta que os condenados enviados pelo capitão Vasco da Gama à ilha de Mombaça, após entregarem os presentes ao regente, vão até à cidade para inspeciona-la, mas não conseguem ver tudo o que queriam.
(2) Os cautelosos mouros evitaram mostrar tudo o que eles pediam pra ver; que, onde reina a malícia, está o receio que façam o mesmo com você. Camões canta que os mouros de Mombaça são muito astutos, não deixando os condenados inspecionarem toda a cidade.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E depois que apresentaram o recado ao regente de Mombaça junto com os presentes que traziam, os marinheiros portugueses condenados correram até a cidade para inspeciona-la, mas não perceberam tudo o que queria, já que os mouros, sendo muito cautelosos, evitaram de mostrar tudo o que queriam ver porque, onde reina a malícia, está o receio que façam com você o que você vem fazendo com os outros.”
CANTO II – ESTROFE 10
“Baco estava disfarçado na cidade preparando um altar para enganar os dois marinheiros portugueses”
Mas aquele que sempre a mocidade
Tem no rosto perpétua, e foi nascido
De duas mães, que urdia falsidade
Por ver o navegante destruído,
Estava numa casa da cidade,
Com rosto humano e hábito fingido,
Mostrando-se cristão, e fabricava
Um altar sumptuoso, que adorava.
“Mas aquele que sempre a mocidade tem no rosto perpétua, e foi nascido de duas mães, que urdia falsidade por ver o navegante destruído, estava numa casa da cidade, com rosto humano e hábito fingido, mostrando-se cristão, e fabricava um altar sumptuoso, que adorava. (1)”
(1) Mas Baco – o deus que sempre carregava a mocidade em seu rosto, era nascido de duas mães, e pretendia ver destruídos os navegantes portugueses – estava em uma casa de Mombaça disfarçado com rosto humano, fingindo ser um cristão que preparando um altar para adorar. Camões canta que o deus Baco, que tanto desejava acabar com a empreitada dos lusíadas rumo ao Oriente, estava em Mombaça disfarçado de cristão. Baco, segundo a mitologia, quando sua mãe grávida estava para morrer, foi salvo por Júpiter, seu pai, este que o colocou em sua própria coxa para terminar a gestação, sendo, por isso, dito que ele é nascido de duas mães; Além disso, o deus do vinho sempre é descrito com um aspecto jovial.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Mas Baco – aquele que sempre carrega a perpétua mocidade em seu rosto, que nasceu de duas mães, e que urdia para ver os navegantes lusitanos destruídos – estava em uma casa da cidade com rosto e trajes disfarçados, mostrando-se como um cristão que preparava um altar para oração.”
CANTO II – ESTROFE 11
“O altar preparado por Baco tinha uma imagem da Virgem Maria e outra imagem dos Apóstolos de Cristo”
Ali tinha retrato afigurada
Do alto e Santo Espírito a pintura:
A cândida pombinha debuxada
Sobre a única Fênix, Virgem pura;
A companhia santa está pintada
Dos Doze, tão torvados na figura,
Como os que, só das línguas que caíram
De fogo, várias línguas referiram.
“Ali tinha retrato afigurada do alto e Santo Espírito a pintura: a cândida pombinha debuxada sobre a única Fênix, Virgem pura; (1) a companhia santa está pintada dos Doze, tão torvados na figura, como os que, só das línguas que caíram de fogo, várias línguas referiram. (2)”
(1) Ali tinha um retrato com a figura pintada do alto Espirito Santo, estando a cândida pombinha debuxada sobre a imagem da Virgem pura, a única Fênix. Camões canta que na casa onde estava Baco existia um retrato com a figura do Espirito Santo, que é representado por uma pequena pomba branca, sobre a imagem de Nossa Senhora. Fênix é uma ave mitologia que, quando morria, renascia outra ave; Ela é comparada a Virgem Maria pois acreditava-se que a Fênix era única, assim como a mãe de Deus.
(2) Noutro retrato está pintada a figura dos doze Apóstolos, estes que na imagem estão surpresos, assim como quando falaram várias línguas por causa da língua de fogo que caiu do céu. Camões canta que na casa onde estava Baco também existia outra imagem retratando os doze Apóstolos de Cristo, estes que estão representados com um aspecto de espanto. Só das línguas que caíram de fogo, várias línguas referiram é uma referência ao momento que o Jesus ressuscitado apareceu para eles.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Na casa onde estava Baco tinha o retrato da pintura do elevado Espirito Santo, estando a cândida pombinha debuxada sobre a única Fênix, a Virgem Maria; a santa companhia dos doze Apóstolos estava noutra pintura, eles que estão com figuras torvadas, como quando falaram várias línguas por causa da língua de fogo que caiu do céu.”
CANTO II – ESTROFE 12
“Os dois marinheiros condenados rezam diante do altar preparado por Baco”
Aqui os dous companheiros conduzidos
Onde com este engano Baco estava,
Põem em terra os joelhos, e os sentidos
Naquele Deus que o mundo governava.
Os cheiros excelentes, produzidos
Na Pancaia odorífera, queimava
O Tioneu, e assi por derradeiro
O falso deus adora o Verdadeiro.
“Aqui os dous companheiros conduzidos onde com este engano Baco estava, põem em terra os joelhos, e os sentidos naquele Deus que o mundo governava. (1) Os cheiros excelentes, produzidos na Pancaia odorífera, queimava o Tioneu, e assi por derradeiro o falso deus adora o Verdadeiro. (2)”
(1) Os dois condenados, conduzidos até o altar que Baco preparou para engana-los, ajoelham-se e dirigem sua atenção ao Deus que governava o mundo. Camões canta que os dois marinheiros portugueses condenados enviados pelo capitão Vasco da Gama foram levados pelos mouros até a casa onde Baco estava para ver o altar que foi preparado; eles, diante do altar, ajoelham-se para oração a Deus.
(2) O falso deus Tinoneu, queimando os incensos e produzindo aromas excelentes, adora o Deus Cristão. Camões canta que Baco, enquanto acendia incensos, fingia adorar o Deus Cristão diante dos marinheiros condenados. Tinoeu, um dos nomes de Baco, significa neto de Tione, este que era pai de Semele, mãe de Baco. Pancaia é um nome dado à Arabia pelos romanos, sendo desta região a planta que se extrai o incenso.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Os dois companheiros condenados, que foram conduzidos pelos mouros de Mombaça até casa onde Baco preparou um altar para engana-los, ajoelham-se e direcionam sua atenção para a figura daquele Deus que governa o mundo. Baco queima incensos e produz um cheiro excelente; assim o falso deus finge adorar o deus Verdadeiro.”
CANTO II – ESTROFE 13
“Os dois marinheiros condenados passam a noite na cidade de Mombaça”
Aqui foram de noite agasalhados,
Com todo bom e honesto tratamento,
Os dous cristãos, não vendo que enganados
Os tinha o falso e santo fingimento.
Mas assi como os raios espalhados
Do Sol foram no mundo, e num momento
Apareceu no rúbido horizonte
Da moça de Titão a roxa fronte,
“Aqui foram de noite agasalhados, com todo bom e honesto tratamento, os dous cristãos, não vendo que enganados os tinha o falso e santo fingimento. (1) Mas assi como os raios espalhados do Sol foram no mundo, e num momento apareceu no rúbido horizonte da moça de Titão a roxa fronte (2)”
(1) Os dois cristãos, com todo bom e honesto tratamento, foram acolhidos durante a noite, sendo que eles não perceberam que foram enganados com as falsas imagens de santidade. Camões canta que os dois marinheiros condenados enviados à Mombaça pelo capitão Vasco da Gama foram acolhidos com afeição pelos mouros, mesmo não percebendo que o altar criado por Baco não passava de uma enganação.
(2) Mas assim que os raios do sol tocaram o mundo, num momento que apareceu a roxa fronte no rubro horizonte, na filha de Titão. Camões canta que quando termina a noite e sol nasce tocando com seus raios a terra de Mombaça [continua na próxima estrofe]. Titão é o pai de Aurora, deusa romana do Amanhecer
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Os dois marinheiros cristãos foram acolhidos em Mombaça pelos mouros com o melhor tratamento possível, embora não percebessem o quão falso era o altar criado por Baco. Mas, assim que os raios do sol tocam o mundo e a fronte rubra do horizonte na filha de Titão,”
CANTO II – ESTROFE 14
“Os dois marinheiros retornam para a frota dos junto com mensageiros de Mombaça”
Tornam da terra os mouros c’om recado
Do rei, para que entrassem, e consigo
Os dous que o capitão tinha mandado,
A quem o rei se mostrou sincero amigo;
E sendo o português certificado
De não haver receio do perigo,
E que a gente de Cristo em terra havia,
Dentro do salso rio entrar queria.
“Tornam da terra os mouros c’om recado do rei, para que entrassem, e consigo os dous que o capitão tinha mandado, a quem o rei se mostrou sincero amigo; (1) e sendo o português certificado de não haver receio do perigo, e que a gente de Cristo em terra havia, dentro do salso rio entrar queria. (2)”
(1) Os mouros, acompanhados dos condenados enviados pelo capitão, retornam da terra para as naus portuguesas para que entrassem no porto a pedido do rei, este que se mostrou um amigo sincero. Continuando a estrofe anterior, Camões canta que, com o amanhecer em Mombaça, os mouros, trazendo um recado do rei, retornam aos navios portugueses junto com os dois marinheiros condenados que foram enviados pelo capitão Vasco da Gama pedindo que a frota entrasse no porto da cidade.
(2) Como estavam crentes que não havia nenhum perigo e que em terra havia cristãos, os portugueses queriam atracar na ilha de Mombaça. Camões canta que os portugueses tinham acreditado nas mentiras contadas pelos mouros de Mombaça e que pretendiam atracar suas naus na ilha. Salso rio significado rio salgado, referência as águas de Mombaça que desembocam no mar.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Retornam da terra os mouros com o recado do rei de Mombaça para que entrassem na ilha, estando eles com os dois condenados mandos pelo capitão Vasco Gama. Não tendo nenhuma suspeita da armadilha que está sendo preparada, e crendo que realmente havia gente de Cristo na ilha, os lusíadas querem entrar no local com suas naus.”
CANTO II – ESTROFE 15
“Os marinheiros condenados dizem terem vistos os cristãos em Mombaça e que foram muito bem acolhidos durante a noite”
Dizem-lhe os que mandou, que em terra viram
Sacras aras e sacerdote santo;
Que ali se agasalharam e dormiram,
Enquanto a luz cobria o escuro manto;
E que no rei e gentes não sentiram
Senão contentamento e gosto tanto,
Que não podia certo haver suspeita
Numa mostra tão clara e tão perfeita.
“Dizem-lhe os que mandou, que em terra viram sacras aras e sacerdote santo; que ali se agasalharam e dormiram, enquanto a luz cobria o escuro manto; (1) e que no rei e gentes não sentiram senão contentamento e gosto tanto, que não podia certo haver suspeita numa mostra tão clara e tão perfeita. (2)”
(1) Dizem ao os que mandou que em viram na cidade altares e um santo sacerdote; que ali foram acolhidos enquanto dormiam sob o escuro manto da noite. Camões canta que os dois marinheiros condenados informaram o capitão Vasco da Gama que viram altares e um sacerdote cristão na cidade de Mombaça e que foram muito bem acolhidos pelos mouros durante a noite.
(2) E que do rei e do povo local não sentiram senão contentamento, não havendo qualquer suspeita numa demonstração tão clara e perfeita de amizade. Camões canta que os dois condenados também disseram ser muito bem tratados pelo rei de Mombaça e sua população, não sentindo nenhuma intenção ruim deles.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“E os dois marinheiros, informando ao capitão Vasco da Gama, dizem que viram altares cristãos, bem como um santo sacerdote na cidade; e que, enquanto dormia sob o escuro manto da noite cobria a luz do dia, ambos foram muito bem acolhidos. Do rei de Mombaça e de seu povo eles sentiam apenas alegria, não havendo qualquer suspeita em gestão tão claros e perfeitos de amizade.”
CANTO II – ESTROFE 16
“Acreditando que são confiáveis, o capitão Vasco da Gama recebe os mouros em sua nau”
Com isso o nobre Gama recebia
Alegremente os mouros que subiam;
Que levemente um ânimo se fia
De mostras, que tão certo pareciam.
A nau da gente pérfida se enchia,
Deixando a bordo os barcos que traziam.
Alegres vinham todos, porque crêem
Que a presa desejada certa têm.
“Com isso o nobre Gama recebia alegremente os mouros que subiam; que levemente um ânimo se fia de mostras, que tão certo pareciam. (1) A nau da gente pérfida se enchia, deixando a bordo os barcos que traziam. Alegres vinham todos, porque crêem que a presa desejada certa têm. (2)”
(1) Com isso o nobre Vasco da Gama recebia com alegria os mouros que subiam em sua nau, estes que mostravam suas aparências fingidas. Camões canta que o capitão Vasco da Gama recebeu os mouros em seu navio.
(2) A nau se enchia com os traiçoeiros mouros, estes que estavam felizes por acredita que já estavam tinha a presa que queriam. Camões canta que a nau do capitão Vasco da Gama ia se enchendo com os mouros, estes que estavam felizes por acreditar que foram bem-sucedidos em sua armadilha contra os portugueses.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O nobre capitão Vasco da Gama recebia em sua nau os mouros vindos de seus barcos. Eles enchiam o barco com sua presença, estando todos muito felizes por acreditarem que já era certa a armadilha contra os lusíadas.”
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Esses foram os nossos comentários sobre a primeira até a décima sexta estrofe do segundo canto de Os Lusíadas, onde Camões canta a armadilha preparada por Baco e pelos mouros de Mombaça contra os lusíadas.
Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.