Neste nosso vigésimo quinto comentário sobre Os Lusíadas, começaremos a ler o terceiro canto da obra, onde Camões pede inspiração à Calíope para cantar a história de Portugal e dos portugueses.

CANTO III – ESTROFE 1
Agora tu, Calíope, me ensina
O que contou ao rei o ilustre Gama;
Inspira imortal canto e voz divina
Neste peito mortal que tanto ama.
Assim o claro inventor da medicina,
De quem Orfeu pariste, ó linda dama,
Nunca por Dafne, Clície ou Leucote,
Te negue amor devido, como soe.
“Agora tu, Calíope, me ensina o que contou ao rei o ilustre Gama; inspira imortal canto e voz divina neste peito mortal que tanto ama (1). Assim o claro inventor da medicina, de quem Orfeu pariste, ó linda dama, nunca por Dafne, Clície ou Leucote, te negue amor devido, como soe (2).”
(1) Camões interrompe sua narração e dirige suas palavras à Calíope, onde pede para que ela auxilie os seus versos e ele possa cantar a história que Vasco da Gama contará ao rei de Melinde. Pede para que ela inspire seu canto, dando-lhe uma voz divina que possa imortalizar os seus versos.
(2) Pede que Apolo, o deus inventor da medicina e com quem ela teve seu filho Orfeu, não lhe negue o mesmo amor que ele costumava dar para Dafne, Cície ou Leucote¹.
“Agora tu, Calíope, me ensine o que o ilustre capitão Vasco da Gama contou ao rei mouro de Melinde; inspire um canto imortal e uma voz divina neste mortal peito que tanto te ama. Ó linda dama, que o claro Apolo, inventor da medicina e pai de seu filho Orfeu, sempre te ame, assim como costumava fazer com Dafne, Clície ou Leucote.”
¹Orfeu é um notável músico mitológico, filho de Febo e Calíope. Dafne, Clície ou Leucote são ninfas amantes do deus Febo.
CANTO III – ESTROFE 2
Põe tu, Ninfa, em efeito meu desejo,
Como merece a gente lusitana,
Que veja e saiba o mundo que do Tejo
O licor de Aganipe corre e mana.
Deixa as flores de Pindo, que já vejo
Banhar-me Apolo na água soberana;
Senão direi que tens algum receio,
Que se escureça o teu querido Orfeio.
“Põe tu, Ninfa, em efeito meu desejo, como merece a gente lusitana, que veja e saiba o mundo que do Tejo o licor de Aganipe corre e mana (1). Deixa as flores de Pindo, que já vejo banhar-me Apolo na água soberana; senão direi que tens algum receio, que se escureça o teu querido Orfeio (2).”
(1) Camões pede para que a ninfa Calíope torne em realidade o desejo dele de cantar as glórias portuguesas. Diz que o povo português merece ser honrado, com todo o mundo sabendo que nas águas do rio Tejo corre o mesmo licor que mana de Aganipe¹.
(2) Pede para que ela abandone as flores do Monte Pindo, pois ele já vê que Apolo o abençoa ao banha-lo com as águas soberanas para inspirar seus versos. Acredita que, se ela não fizer isso, será porque tem receio que os versos dele possam sobrepujar (escurecer) os versos de Orfeu.
“Ninfa, torne o meu desejo em realidade, como merece a gente lusitana, para que assim o mundo veja e saiba que correm nas águas do rio Tejo o mesmo licor que mana de Aganipe. Abandone as flores do Monte Pindo, pois eu já vejo Apolo me banhando com a água soberana que inspirara meus versos; caso o contrário eu direi que você tem receio que os meus versos possam escurecer os de seu filho Orfeu.”
¹ Aganipe é a nascente do rio Permesso, no Monte Hélicon, que na mitologia era consagrado às musas. Camões o compara com o rio Tejo (rio que corta Portugal) para dizer os portugueses possuem os mesmos talentos artísticos que os antigos gregos e romanos.
²Orfeu é o filho da ninfa Calíope.
CANTO III – ESTROFE 3
Prontos estavam todos escutando
O que o sublime Gama contaria;
Quando, depois de um pouco estar cuidando,
Alevantando o rosto, assim dizia:
“Mandas-me, ó rei, que conte, declarando
De minha gente grã genealogia:
Não me mandas contar estranha história,
Mas mandas-me louvar dos meus a glória.
“Prontos estavam todos escutando o que o sublime Gama contaria (1); quando, depois de um pouco estar cuidando, alevantando o rosto, assim dizia: “Mandas-me, ó rei, que conte, declarando de minha gente grã genealogia: não me mandas contar estranha história, mas mandas-me louvar dos meus a glória (2).”
(1) Voltando a narrar a passagem da frota portuguesa no reino africano de Melinde, Camões conta que o rei de Melinde e sua comitiva estavam todos prontos para escutar a narração da história de Portugal que Vasco da Gama faria.
(2) Após refletir um pouco, Vasco da Gama levanta o rosto e diz que o rei de Melinde, quando pediu para que contasse a história de Portugal, não estava pedindo para que ele narrasse a história de um povo que lhe fosse desconhecido, mas, sim, louvar as glórias de sua pátria.
“O rei de Melinde e sua comitiva estavam todos pronto para escutar o que o sublime capitão Vasco da Gama contaria, este que, depois de uma breve reflexão, ergue o rosto e diz: Ó rei, mandas-me que conte a grande genealogia da minha gente; quero que saiba que não está mandando que eu conte histórias de uma gente qualquer, mas, sim, louvar os grandes feitos do meu povo.”
CANTO III – ESTROFE 4
Que outrem possa louvar esforço alheio,
Cousa que é se costuma e se deseja,
Mas louvar os meus próprios, arreceio
Que louvor tão suspeito mal me esteja;
E para dizer tudo, temo e creio
Que qualquer longo tempo curto seja.
Mas, pois o mandas, tudo se deve;
Irei contra o que devo, e serei breve.
“Que outrem possa louvar esforço alheio, cousa que é se costuma e se deseja, mas louvar os meus próprios, arreceio que louvor tão suspeito mal me esteja (1); e para dizer tudo, temo e creio que qualquer longo tempo curto seja. Mas, pois o mandas, tudo se deve; irei contra o que devo, e serei breve (2).”
(1) Diz que é comum e esperado que alguém louve os esforços de outro povo, mas, neste caso, parecia estranho e suspeito, pois ele estaria louvando os esforços do seu próprio povo.
(2) Também diz que teme que, para narrar feitos tão gloriosos quanto os dos portugueses, todo o tempo do mundo não seria suficiente, embora fará mesmo assim pois é um pedido do rei.
“Embora seja comum que alguém comente os feitos de um terceiro, eu seria considerado suspeito para tal, já que tamanha é a estima que tenho pelo meu povo, além de acreditar que, mesmo se tivesse todo o tempo do mundo, ainda não seria suficiente. Mas, como é tu que mandas, majestade, irei contra o meu dever, tentando ser o mais breve possível.”
CANTO III – ESTROFE 5
“Além disso, o que tudo enfim me obriga,
É não poder mentir no que disser,
Porque de feitos tais, por mais que diga,
Mais me há-de ficar ainda por dizer.
Mas, porque nisto a ordem leve e siga,
Segundo o que desejas de saber,
Primeiro tratarei da larga terra,
Depois direi da sanguinosa guerra.
“Além disso, o que tudo enfim me obriga, é não poder mentir no que disser, porque de feitos tais, por mais que diga, mais me há-de ficar ainda por dizer (1). Mas, porque nisto a ordem leve e siga, segundo o que desejas de saber, primeiro tratarei da larga terra, depois direi da sanguinosa guerra (2).”
(1) Diz que, sobre o relato que contará, ele não precisará mentir, já que os feitos portugueses são tão impressionantes que, mesmo se mentisse, a mentira não se igualaria a tais façanhas.
(2) Comenta que começara contando sobre o território onde ficam as terras de Portugal e, depois disto, falará sobre as sangrentas guerras travadas pelos portugueses.
“Além do mais, eu sou obrigado a sempre dizer a verdade, embora possa parecer por mentiroso, já que tamanho foram os feitos dos ancestrais portugueses. Mas, antes que eu fale sobre o que desejas saber, primeiro falarei sobre o grande território onde fica o reino português, e somente depois falarei sobre a sangrenta guerra.”
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Esses foram os nossos comentários sobre a primeira até a quinta estrofe do terceiro canto de Os Lusíadas, onde Camões pede inspiração à Calíope para cantar a história de Portugal e dos portugueses.
Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.