Neste nosso oitavo comentário sobre Os Lusíadas, continuaremos lendo o primeiro canto da obra, onde Camões canta a visita do regente de Moçambique aos lusíadas, as perguntas que ele fez ao capitão Vasco da Gama e ódio que ele começou a nutrir contra a frota protuguesa.
CANTO I – ESTROFE 60
“O regente de Moçambique vai ao encontro dos lusíadas”
Partia alegremente navegando,
A ver as naus ligeiras lusitanas,
Com refresco da terra, em si cuidando
Que são aquelas gentes inumanas,
Que, os apousentos cáspios habitando,
A conquistas as terras asianas
Vieram; e por ordem do Destino,
O Império tomara a Constantino.
“Partia alegremente navegando, a ver as naus ligeiras lusitanas, com refresco da terra, em si cuidando que são aquelas gentes inumanas, que, os apousentos cáspios habitando, a conquistas as terras asianas vieram; e por ordem do Destino, o Império tomara a Constantino.”
(1) Partia o regente alegremente navegando para ver as rápidas naus lusitanas, carregando o refresco da terra, cuidando que estes visitantes não sejam inumanos como os que habitam os aposentos cáspios que conquistaram as terras asiáticas e, por ordem do Destino, tomaram o Império de Constantino. Vem vindo o regente de Moçambique com mantimentos para os lusíadas. Sem saber que são cristãos, ele acredita que estes vieram da região do mar Cáspio, sendo eles muçulmanos que conquistaram Constantinopla. Refresco é um termo marítimo que denomina os mantimentos para consumo usados durante uma viagem;
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Alegremente vinha alegremente o regente conhecer as rápidas naus lusitanas carregando refresco da terra. Acreditava que eram os habitantes do mar Cáspio que conquistaram, por ordem do Destino, o Império de Constantino.”
CANTO I – ESTROFE 61
“O capitão Vasco da Gama recebe o regente de Moçambique e sua companhia nas naus dos lusíadas e serve aos visitantes licor e doce em conserva”
Recebe o capitão alegremente
O mouro, e toda a sua companhia;
Dá-lhe de ricas peças um presente,
Que só para este efeito já trazia;
Dá-lhe conserva doce, e da dá-lhe o ardente,
Não usado licor, que dá alegria.
Tudo o mouro contente bem recebe;
E muito mais contente come e bebe.
Recebe o capitão alegremente o mouro, e toda a sua companhia; dá-lhe de ricas peças um presente, que só para este efeito já trazia (1); dá-lhe conserva doce, e da dá-lhe o ardente, não usado licor, que dá alegria. Tudo o mouro contente bem recebe; e muito mais contente come e bebe (2).
(1) O capitão recebe alegremente a visita do regente mouro, bem como de toda a sua companhia; dão ricas peças de presente aos portugueses; Vasco da Gama recebe o regente de Moçambique e sua comitiva, estes que trazem presentes para os lusíadas.
(2) Os portugueses servem doce em conserva e licor para os mouros, estes que aceita, comendo e bebendo com alegria. Camões canta que os lusíadas serviram os mouros com licor e frutas em conserva, e os mouros aceitaram e comeram alegremente.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Vasco da Gama recebe o regente mouro e sua companhia; traziam ricas peças de presentes aos portugueses, estes que oferecem conserva doce e licor. O mouro aceita tudo de forma contente, bebendo e comendo alegremente.”
CANTO I – ESTROFE 62
“Os lusíadas olham admirados para a companhia do regente de Moçambique, este que também olha com os estranheza os portugueses e lhes faz algumas perguntas”
Está a gente marítima de Luso
Subida de enxárcia, e admirada,
Notando o estrangeiro modo e uso,
E a linguagem tão bárbara e enleada.
Também o mouro astuto está confuso,
Olhando a cor, o trajo e a forte armada;
E perguntando tudo, lhe dizia
“Se por ventura vinham da Turquia.”
“Está a gente marítima de Luso subida de enxárcia, e admirada, notando o estrangeiro modo e uso, e a linguagem tão bárbara e enleada (1). Também o mouro astuto está confuso, olhando a cor, o trajo e a forte armada; e perguntando tudo, lhe dizia “Se por ventura vinham da Turquia.””
(1) Os portugueses subiam a enxárcia de admiração, notando os trajes dos estrangeiros, assim como sua linguagem bárbara e enleada. Camões canta que os lusíadas ficaram admirados ao conhecer os trajes e a estranha linguagem que mouros de Moçambique utilizavam. Enxárcia são o conjunto de cordas que seguram o mastro do navio; Linguagem bárbara e enleada mostra a estranheza que era para os portugueses ouvir o dialeto falado em Moçambique.
(2) O regente mouro também estava confuso ao olhar a cor dos portugueses, seus trajes e sua forte armada. Curioso ele pergunta de tudo: “Vocês vieram da Turquia?”. Camões canta que o regente mouro está confuso ao conhecer o os lusíadas, estranhando a cor de pele deles, os trajes que utilizam, bem como sua grande e impressionante frota; ele perguntou se vieram da Turquia porque o Império Otomano, na época, estava no auge de sua grandeza.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Os lusitanos subiam na enxárcia para admirar o regente e sua comitiva, notando os trajes que usavam, bem como a linguagem bárbara e aleada que falavam. O regente mouro também ficou confuso enquanto olhava para a cor, trajes e a forte armada lusitana. E a tudo perguntando, dizia “Se eles, por ventura, vinham da Turquia”
CANTO I – ESTROFE 63
“O regente de Moçambique deseja saber qual a religião dos lusíadas e também pede para ver as armas que eles utilizam”
E mais lhe diz também, que ver deseja
Os livros de sua Lei, preceito ou fé,
Para ver se conforme à sua seja,
Ou se são dos de Cristo, como crê.
E porque tudo note e tudo veja,
Ao capitão pedia que lhe dê
Mostras das fortes armas de que usavam
Quando c’os inimigos pelejavam.
“E mais lhe diz também, que ver deseja os livros de sua Lei, preceito ou fé, para ver se conforme à sua seja, ou se são dos de Cristo, como crê (1). E porque tudo note e tudo veja, ao capitão pedia que lhe dê mostras das fortes armas de que usavam quando c’os inimigos pelejavam (2).”
(1) E o regente mouro diz que também deseja ver os livros da lei, preceito ou fé dos portugueses, querendo saber se também são muçulmanos como ele, ou se são cristãos, como supõe. Camões canta que o regente de Moçambique, suspeitando que os lusíadas sejam cristãos, pede para ver os livros de sua religião.
(2) E para que tudo veja, também pedia ao capitão para que mostre as armas que utilizam quando batalham com seus inimigos. Camões canta que regente de Moçambique também está curioso para saber o quão poderosos são os lusíadas, pedindo para ver o armamento da frota portuguesa.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Além disso, o regente mouro de Moçambique quer ver os livros da religião dos lusitanos, a fim de confirmar se são seguidores da fé de Maomé, ou se, conforme ele crê, são da fé de Cristo. E para que tudo saiba, também pede ao capitão Vasco da Gama que mostre as armas que utilizam quando pelejam seus inimigos.
CANTO I – ESTROFE 64
“O capitão Vasco da Gama responde que mostrará os livros da religião dos lusíadas e suas armas, assim como diz que eles vieram da Europa e que buscam chegar à Índia”
Responde o valeroso Capitão
Por um, que a língua escura bem sabia:
“Dar-te-ei, senhor ilustre, relação
De mi, das leis, das armas que trazia.
Nem sou da terra, nem da geração
Das gentes enojosas da Turquia:
Mas sou da forte Europa belicosa,
Busco as terras da Índia tão famosa.
“Responde o valeroso Capitão por um, que a língua escura bem sabia: “Dar-te-ei, senhor ilustre, relação de mi, das leis, das armas que trazia (1). Nem sou da terra, nem da geração das gentes enojosas da Turquia: mas sou da forte Europa belicosa, busco as terras da Índia tão famosa (2).”
(1) Responde o corajoso capitão por um interprete que a língua escura conhecia: “Senhor ilustre, dar-te-ei a relação de mim, das minhas leis, das armas que trazia. Camões canta que o capitão Vasco da Gama responde às perguntas do regente mouro com auxílio de um interprete árabe, dizendo que mostrara os livros da religião dos lusíadas, bem como mostrara as armas que utiliza. Língua escura é o idioma árabe falado por todos os muçulmanos, não importando a sua cultura.
(2) Não sou dos povos odiosos da Turquia, mas sim do povo guerreiro da Europa, e busco chegar nas famosas terras da Índia. Camões canta que o capitão Vasco da Gama respondeu as perguntas dizendo que os lusíadas são um povo europeu e que motivo da viagem é alcançar as terras indianas.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O valoroso capitão Vasco da Gama responde às perguntas do regente de Moçambique por meio de um interprete que conhecia a língua obscura: “Dar-te-ei, senhor ilustre, a relação de mim, das leis, das armas que trazia. Não da terra, tão pouco pertenço ao povo odioso da Turquia: mas sou da forte Europa belicosa, e buscado as tão famosas terras da Índia.”
CANTO I – ESTROFE 65
“Vasco da Gama diz que ele e os lusíadas são cristãos”
“A lei tenho d’Aquele, a cujo império
Obedece o visíbil e o invisíbil,
Aquele que criou todo o Hemisfério,
Tudo o que sente e todo o insensíbil;
Que padeceu desonra e vitupério,
Sofrendo morte injusta e insofríbil,
E que do Céu a Terra, enfim desceu,
Por subir dos mortais da Terra ao Céu.
“A lei tenho d’Aquele, a cujo império obedece o visíbil e o invisíbil, aquele que criou todo o Hemisfério, tudo o que sente e todo o insensíbil (1); que padeceu desonra e vitupério, sofrendo morte injusta e insofríbil, e que do Céu a Terra, enfim desceu, por subir dos mortais da Terra ao Céu (2).”
(1) Tenho a religião daquele cujo a vontade obedece o invisível e o invisível, que criou todo o Hemisfério, e tudo o que sente e todo o insensível. Camões canta que o capitão Vasco da Gama, respondendo o questionamento sobre qual religião segue, diz seguir a lei daquele que a vontade manda no mundo visível e invisível, que criou todo o universo, e que criou todas as coisas que sentimos e que não sentimos.
(2) Aquele que padeceu desonra e vitupério, sofrendo uma morte injusta e insofrível, e que desceu do Céu para a Terra para subir os mortais da Terra ao Céu. Continuando, Vasco da Gama diz que seu Deus é aquele que foi morto de uma forma desonrosa, ultrajante, injusta e insuportável; e que desceu do céu a terra para elevar, da Terra ao Céu, os mortais. Desceu do Céu a Terra é uma referencia ao credo apostolado romano, segundo o qual Deus veio à terra e sofreu os martírios e morte para salvar a humanidade do Pecado Original.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Eu sigo a religião daquele cujo a vontade servem o visível e o invisível; aquele que criou todo o universo; aquele que criou tudo o que sente e todo o insensível; Aquele que padeceu de forma desonrada e ultrajante, sofrendo uma morte injusta e insuportável, e que desceu do Céu a Terra para elevar os mortais da Terra ao Céu.”
CANTO I – ESTROFE 66
“Vasco da Gama diz que não precisava trazer os livros da sua religião porque já carrega-os em sua alma; e também convida-o para ver as armas dos lusíadas”
“Deste Deus-Homem, alto e infinito,
Os Livros, que tu pedes não trazia,
Que bem posso escusar trazer escrito
O que em papel na alma andar devia.
Se as armas queres ver, como tens dito,
Cumprido esse desejo te seria;
Como amigo as verás, porque eu me obrigo
Que nunca as queira ver como inimigo.”
“Deste Deus-Homem, alto e infinito, os Livros, que tu pedes não trazia, que bem posso escusar trazer escrito o que em papel na alma andar devia (1). Se as armas queres ver, como tens dito, cumprido esse desejo te seria; Como amigo as verás, porque eu me obrigo que nunca as queira ver como inimigo (1).”
(1) Eu não trago os livros deste alto e infinito Deus-Homem porque não é necessário trazer escrito o que devia andar na alma. Camões canta que Vasco da Gama diz que não precisa carregar a lei de Deus escrita, uma vez que já a carrega escrita em sua alma. Escusar, no contexto, significa não ser necessário.
(2) Vou te mostrar as armas que eu carrego, se assim você tanto quer, porém a verás como amigo, porque eu garanto que você nunca queria as ver como meu inimigo. Camões canta que Vasco da Gama, terminando sua resposta, diz que mostrara o armamento de sua frota ao regente de Moçambique, mas avisa que o poder bélico dos lusíadas é tão grande que ele nunca iria querer enfrenta-los em combate.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Não trago os Livros deste Deus-Homem, alto e infinito, a quem eu sigo, pois posso escusar trazer escrito em papel o que devo carregar na alma. Se minhas armas queres ver, será cumprido o seu desejo, porém aviso que as verás como amigo, porque eu garanto que nunca queira as ver como inimigo.
CANTO I – ESTROFE 67
“Os lusíadas mostram suas armaduras e armas ao regente de Moçambique”
Isto dizendo, manda os diligentes
Ministros amostrar as armaduras:
Veem arneses e peitos reluzentes,
Malhas finas, e lâminas seguras,
Escudos de pinturas diferentes,
Pelouros, espingardas de aço puras,
Arcos e sagitíferas aljavas,
Pantanasas agudas, chuças bravas.
Isto dizendo, manda os diligentes ministros amostrar as armaduras: veem arneses e peitos reluzentes, malhas finas, e lâminas seguras, escudos de pinturas diferentes, pelouros, espingardas de aço puras, arcos e sagitíferas aljavas, pantazanas agudas, chuças bravas (1).
(1) Vasco da Gama manda os seus homens mostrarem suas armaduras: arneses e peitos reluzentes, malhas finas, e lâminas seguras, escudo de pinturas diferentes, pelouros, espingardas de aço, arcos e aljavas, e chuças. Camões canta a descrição dos diversos tipos de proteções corporais e armas que os lusíadas utilizam em combate.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Vasco da Gama manda os seus homens mostrarem suas armaduras: arneses e peitos reluzentes, malhas finas, e lâminas seguras, escudo de pinturas diferentes, pelouros, espingardas de aço, arcos e aljavas, e chuças.”
CANTO I – ESTROFE 68
“Os lusíadas também mostram suas bombas e bombardas, mas o capitão Vasco da Gama não permite que façam uma demostração”
As bombas veem de fogo, e juntamente
As panelas sulfúreas, tão danosas;
Porém aos de Vulcano não consente
Que deem fogo as bombardas temerosas;
Porque o generoso ânimo e valente,
Entre gentes tão poucas e medrosas,
Não mostra quanto pode, e com razão,
Que é fraqueza entre ovelhas ser leão.
“As bombas veem de fogo, e juntamente as panelas sulfúreas, tão danosas (1); porém aos de Vulcano não consente que deem fogo as bombardas temerosas; porque o generoso ânimo e valente, entre gentes tão poucas e medrosas, não mostra quanto pode, e com razão, que é fraqueza entre ovelhas ser leão (2).”
(1) São trazidas as bombas de fogo junto com as perigosas panelas sulfúreas. Camões canta que os lusíadas mostram as granadas de pólvora e as panelas de enxofre quente para o regente de Moçambique e sua companhia.
(2) Mas o capitão não permite que os de Vulcano acendam as temerosas bombardas da frota, porque é de sua índole que, entre tão poucos e medrosos visitantes, não se pode, com razão, mostrar seu poder no meio dos mais fracos. Camões canta que, das armas, as únicas que o capitão Vasco da Gama não permite uma demonstração são as poderosas bombardas, já que ele não pretendia que os lusíadas assustassem seus visitantes. Vulcano, nome romano de Hefesto, é o deus dos artesões, sendo o responsável por forjar o raio de Júpiter, bem como outros artefatos bélicos fantásticos. Os de Vulcano são os artilheiros que operam as bombardas.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“São trazidas as bombas de fogo, juntamente com as danosas panelas sulfúreas; porém o capitão Vasco da Gama não permite que os de Vulcano deem fogo as temerosas bombas da frota, já que o generoso e valente ânimo do Capitão não permite, entre tão pouca e medrosa gente, mostrar o quanto é poderoso, já que seria fraqueza ser leão no meio de ovelhas.”
CANTO I – ESTROFE 69
“O regente mouro, ao ver como eram os lusíadas, começa a criar um ódio contra os estrangeiros, ódio este que precisa disfarçar com falsas cortesias”
Porém disto, que o mouro aqui notou,
E de tudo o que viu com olho atento,
Um ódio certo na alma lhe ficou,
Uma vontade má de pensamento.
Nas mostras e no gesto não mostrou;
Mas com risonho e ledo fingimento,
Tratá-los brandamente determina,
Até que mostrar possa o que imagina.
“Porém disto, que o mouro aqui notou, e de tudo o que viu com olho atento, um ódio certo na alma lhe ficou, uma vontade má de pensamento (1). Nas mostras e no gesto não mostrou; mas com risonho e ledo fingimento, tratá-los brandamente determina, até que mostrar possa o que imagina (2).”
(1) Considerando tudo o que viu atentamente, o mouro ficou com um ódio em sua alma, um pensamento maligno contra os portugueses. Camões canta que o regente mouro de Moçambique, ao ver ficar sabendo que os lusíadas são cristãos e ver o seu arsenal bélico, ficou com sentimento ruim contra os lusíadas.
(2) Mas não demonstrou esse sentimento na maneira e nos seus gestos, mostrando um sorriso falso e tratando-os de forma amigável até que tenha uma oportunidade de ataca-los. Camões canta que, apesar do sentimento ruim contra os lusíadas, o mouro não quis ataca-los no momento por causa de tamanho diferença bélica; ele ficou com um aspecto de fingimento, aguardando uma boa oportunidade para se voltar contra a frota portuguesa.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Nisto que o mouro votou e viu com seus olhos atentos, um ódio cresceu dentro de sua alma; uma vontade maligna de destruir os portugueses. Mas se conteve no momento, mostra um sorriso falso e tratava-os brandamente, até que surja uma oportunidade de mostrar o que sentia”
CANTO I – ESTROFE 70
“O capitão pede ao regente mouro um piloto para guiar os lusíadas até as terras da Índia”
Pilotos lhe pedia o capitão,
Por quem pudesse à Índia ser levado;
Diz que largo prêmio levarão
Do trabalho que nisso for tomado.
Promete-lhos o mouro, com tenção
Do peito venenoso, e tão danado,
Que a morte, se pudesse, neste dia,
Em lugar de pilotos lhe daria.
“Pilotos lhe pedia o capitão, por quem pudesse à Índia ser levado; diz que largo prêmio levarão do trabalho que nisso for tomado (1). Promete-lhos o mouro, com tenção do peito venenoso, e tão danado, que a morte, se pudesse, neste dia, em lugar de pilotos lhe daria. (2)”
(1) O capitão solicita um piloto para que os guiem até a Índia, oferecendo um grande prêmio a quem nisto os ajudar. Camões canta que o capitão Vasco da Gama solicita um marinheiro ao regente de Moçambique para os guiar os lusíadas em sua viagem marítima até as terras da Índia, este que seria muito bem pago pelo serviço.
(2) O mouro promete a eles um piloto, mas, com um sentimento pérfido no coração, se pudesse, lhes daria, neste mesmo dia, a morte no lugar. Camões canta que regente de Moçambique concorda em fornecer um piloto para ajudar os lusíadas, mas o sentimento contra eles é tão grande que, se pudesse, mataria a todos neste mesmo dia.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O capitão Vasco da Gama pedia um piloto para os levar até as terras da Índia, oferecendo um largo prêmio para quem tomar este trabalho. O regente mouro promete um piloto, mas, com uma tenção venenosa tão danosa no peito, se pudesse, neste mesmo dia, lhes daria a morte no lugar do piloto.”
CANTO I – ESTROFE 71
“Cresce cada vez mais o ódio que regente de Moçambique tem com os lusíadas”
Tamanho ódio foi, e má vontade,
Que aos estrangeiros súbito tomou,
Sabendo ser sequaces da Verdade,
Que o filho de David nos ensinou.
Ó segredos daquela Eternidade
A quem juízo algum não alcançou!
Que nunca falte um pérfido inimigo
Àqueles a quem foste tanto amigo!
“Tamanho ódio foi, e má vontade, que aos estrangeiros súbito tomou, sabendo ser sequaces da Verdade, que o filho de David nos ensinou (1). Ó segredos daquela Eternidade a quem juízo algum não alcançou! Que nunca falte um pérfido inimigo àqueles a quem foste tanto amigo! (2)”
(1) Um ódio tamanho e uma má vontade teve o regente mouro dos estrangeiros portugueses, por saber que eles sequaces da Verdade que o filho de David os ensinou. Camões canta, dirigindo agora a Deus, que o regente de Moçambique sentia um ódio terrível dos lusíadas quando descobriu que eles eram cristãos. Sequace é uma variação antiga de sequaz, que significa partidário, seguidor de uma religião/idéia/filosofia; no caso, os portugueses eram sequazes do cristianismo. Filho de David é como Jesus Cristo era chamado no Evangelho por ele ser seu descendente.
(2) O que são os segredos de Deus a quem juízo nunca alcançou! Um deste segredos é que nunca faltará um inimigo a quem de Cristo for amigo. Camões comenta, ainda dirigindo a Deus, a situação dos lusíadas perante os mouros de Moçambique, dizendo que nunca faltarão inimigos falsos a quem for seguidor de Jesus Cristo.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“O ódio foi tamanho, assim como a má vontade, que o regente mouro sentiu ao descobrir que os portugueses eram sequazes da Verdade ensinada pela descendente de David. Ó Deus, o que são os segredos da eternidade a quem nunca juízo alcançou. Que nunca falte um pérfido inimigo àqueles a quem foste tanto amigo.”
CANTO I – ESTROFE 72
“Então despede-se o regente mouro e sua companhia das naus dos lusíadas, retornando todos para os seus aposentos nas ilhas de Moçambique”
Partiu-se nisto enfim c’a companhia,
Das naus o falso mouro despedido,
Com enganosa e grande cortesia,
Com gesto ledos a todos, e fingido.
Cortaram os batéis a curta via
Das águas de Netuno, e recebido
Na terra de obsequente ajuntamento,
Se foi o mouro ao cógnito aposento.
“Partiu-se nisto enfim c’a companhia, das naus o falso mouro despedido, com enganosa e grande cortesia, com gesto ledos a todos, e fingido (1). Cortaram os batéis a curta via das águas de Netuno, e recebido na terra de obsequente ajuntamento, se foi o mouro ao cógnito aposento.”
(1) Então foi embora o regente de Moçambique com sua falsa e enganosa cortesia, despedindo-se de todos com gestos de falsa alegria, acompanhado de sua companhia. Camões canta que o regente mouro enfim foi embora com sua companhia das naus dos lusíadas, enquanto carregava consigo a sua falsa cortesia.
(2) Os batéis dos mouros cortaram as águas de Netuno em direção a ilha, e sendo ele recebido pelos seus súditos em terra, dirigiu-se para os seus aposentos. Camões canta que o regente mouro foi embora em suas naus para à terra firme, dirigindo para o seu aposento. Netuno, nome romano de Poseidon, é o deus dos mares.
Podemos, portanto, entender que a estrofe diz que:
“Então partiu o regente com sua companhia em suas naus, carregando o aspecto enganoso e de falsa cortesia que usava para despedir-se de todos. As naus cortaram as águas de Netuno, e sendo o regente recebido em terra, dirigiu-se ele aos seus aposentos.”
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Leia o nosso próximo post sobre Os Lusíadas clicando aqui.
Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume I
Obra completa de Camões com notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre, sendo a melhor edição para quem busca compreender todos os detalhes deste grande épico.
Os Lusíadas (Edição Didática) – Volume II
Obra completa de Camões com notas e comentários de Francisco de Sales Lencastre, sendo a melhor edição para quem busca compreender todos os detalhes deste grande épico.
Esses foram os nossos comentários sobre a sexagésima até a septuagésima nona estrofe do primeiro canto de Os Lusíadas, onde Camões canta a visita do regente de Moçambique aos lusíadas, as perguntas que ele fez ao capitão Vasco da Gama e ódio que ele começou a nutrir contra a frota portuguesa.
Eu sou Caio Motta e convido você a continuar acompanhando os nossos comentários sobre a grande obra de Camões, bem como demais textos da grande literatura universal presentes no nosso blog.